“Pépinho és tu, tabrão!!!”



Assim respondia na sua fala entaramelada, de quem nunca aprendeu letras nem oralidades discursivas cuidadas, aos que o invectivavam, chamando-lhe Pepinho. Por vezes, mais irado, chegava a arremessar o cajado, sobretudo aos moços que o achincalhavam. Mas isso era quando se metiam com ele porque, normalmente, o seu discurso abria pacificamente com a pedincha: “Uma moedinha... uma moedinha, amigo...”; assim pedia o Francisco Palmeira aos conhecidos e aos forasteiros.
Fez parte da vivência
e do imaginário daqueles que habitaram perto dele ou dos que com ele se cruzavam quotidianamente nas ruas da cidade. Habitava numa pequena casa no cimo da Rua António Crisógono dos Santos, vulgo Rua da Aldeia, quase em frente à Mercearia da “Martinha”.
Tal como qualquer
tolinho de aldeia, o Palmeira era alvo de inúmeras brincadeiras que tentavam explorar o seu reduzido discernimento. Certa vez, colocado perante o dilema do “tolinho da Aldeia”, que todos conhecerão certamente, e que descreve a opção de um destes diminuídos mentais pela moeda menor face a uma de maior valor, quando instado a escolher da mão de um sorridente e inteligente concidadão. Este, o da história tornada universal, lá explicou um dia que escolhia a menor porque se escolhesse a maior deixavam de repetir a brincadeira. Quem é o diminuído mental, afinal?
Ora, a escolha do
Palmeira, que eu testemunhei, numa manhã de Verão, ali à porta da Praça do Peixe, foi agarrar rapidamente as três moedas que a mão estendida do homem de meia-idade lhe oferecia para escolha. Os risos que os presentes soltaram, então, deram por concluída a experiência de verificação do grau de inteligência do nosso Palmeira.
Sempre que a Filarmónica
saía, em arruada, lá estava o Palmeira na frente, sorridente, acompanhando o porta-estandarte. Esta é a imagem que guardo, de maior interactividade do Palmeira com a comunidade. Outras pessoas poderão juntar algumas das suas experiências ou testemunhos relacionados com esta personagem inesquecível da nossa terra. Recordar os Palmeiras de cada terra é, também, recordar momentos da nossa vida, os outros eus que cada um de nós já foi.

"O maior prazer de um "Homem" inteligente é fazer-se de idiota diante de um idiota que se faz de inteligente."



foto: “O Mágico” (o Palmeira até tirava mulheres da cartola )

Comentários

Mena G disse…
Esse cajado, com o passar do tempo, passou a ter uma função muito importante: tornou-se na visão e tacto do Palmeira como pude verificar nos tejadilhos de alguns carros que ousavam estacionar-lhe à frente de porta...

Certo e sabido que até os estrangeiros que de Verão por ali alugavam rooms, aprenderam depressa
linguagem entaramelada do
Palmeira...

Fiou cego e quem tratava minimamente dele era a vizinha Alzira, dumas portas abaixo;
tenho uma foto dela, em nova.
Fica para uma outra vez.
éf disse…
mena: tenho ainda um retrato do Palmeira que coloco depois (de o encontrar). Sobre o Palmeira escreveu e publicou o Hélio José no jornal Notícias de Lagos, numa rubrica intitulada qualquer coisa "... da má-sorte". Tenho que ver se descubro esse número.
Fátima Santos disse…
bem feito!
e como ele acompasnhava com mestria as procissões do senhor morto (uma coisa tétrica que se fazia, é o que tenho em memória, não sei se correcta, pela noite - o enterro com matracas que eram o único rumor num silêncio assustador para os meus menos de dez anos)E lá andava o Palmeira empurrando para que as alas do cortejo se mantivessem alinhadas...
t disse…
algumas vezes fugi desse seu cajado, porque quando "afinava" iamos todos a jeitos...
vieira calado disse…
Ainda bem que você anda sempre de máquina fotográfica ao peito...
A foto é sensacional.
ND disse…
A grande questão é: por onde param os Palmeiras de hoje? Provavelmente a resposta será: pela net e pelas TVs.
Globalizmamo-nos.
éf disse…
n. - Em cada um de nós há um Palmeira escondido que grita por liberdade.
...
E, de vez em quando, há um que se liberta.

;D
o Palmeira como via para Confúcio.
ah pépinho...
Anónimo disse…
excelente...

http://cidadelagos.blogspot.com/
Reino do Algarve disse…
Há vivências gravadas no espírito que recordamos com alegria ou tristeza, com um sorriso ou uma lágrima, com prazer ou com raiva. O Francisco(Chico Palmeira) recordo, talvez com alguma tristeza. Um bonito post. Parabéns ao Efe e à Mena. Porque recordar alguém sendo esse alguém um amigo muito especial, desmonstra um coração grande e justo,faz bem recoradar.
éf disse…
Amigo não seria, porque a distância construída pela sociedade entre os ditos "normais" e os diminuídos mentais, não o permitia. Nem nos era dado o incentivo de reflectir sobre a condição destas pessoas. A "homenagem" propõe um outro exercício: não é melhor deixar estas pessoas viver no seio da comunidade, do que enclausurá-las num reduto em companhia de outros "iguais" a eles?
Tareca disse…
E havia lá casamento ou funeral que não tivesse a companhia do Palmeira?
Um certo dia fui ao funeral de um colega da Júlio Dantas (da antiguinha) e atrazei-me no cortejo. Chega o Palmeira ao pé de mim e: Oh menina ... parêce que vai pa Bensafrim! O sr. padre já vai além à frente! E cajado pra cima da Tareca!
xini disse…
Foi com grande emoção que encontrei a foto do meu tio Francisco palmeira neste blog.
Sim de facto a dona Alzira ( menina Alzira como ele chamava) e a dona julia ajudavam a cuidar dele pois a distancia de trezentos e tal km que nos separavam dificultavam-nos de olhar por ele como gostariamos, ainda chegou a vir para lisboa mas depressa quis sair daqui e bateu sempre o pé que queria ficar na sua casa.. não passou ano nenhum que não tenha ido com a minha avó para lagos e ajudar a cuidar dele no pouco o tempo que tinha de ferias.. ainda me recordo no dia que lhe ofereci uma televisão a alegria dele, e quando tirei a carta e o levei a dar uma volta pela cidade..tantas recordações agradaveis, pena que tanta vezes tanta gente se metia com ele a chamar nomes e a atirar coisas para dentro de sua casa.. pena que no dia que o levei ao hospital pois não se sentia bem os medicos o tivessem mandado para casa ainda com o termometro debaixo do braço, pena que quase ninguem o acompanhou à sua ultima morada e ele como dizem e é verdade acompanhou tantos.. felizmente estavamos lá, e sei que algures neste universo ele continua com o seu cajado a sorrir para nós.. bem haja quem lhe prestou esta homenagem..
Sandra

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