a ponte

A ponte ficava lá tão longe
tão longe que deixava a perder de vista o jardim dos amuados e a câmara banhada só de um lado e a praça do peixe molhando os pés da Bacelísia da batata doce

A ponte era enorme e tinha um arco que fazia sombra sobre a água transparente da ribeira que lhe corria mansa por debaixo

A ribeira corria ali desapertada de caniços e laranjais e hortas, em direcção ao mar
(em direcção à água salgada onde depois a afogaram e confundiram
um dia esventraram a ribeira…)

A ponte era enorme e desaguava (que as pontes têm o direito a tal como qualquer água) no largo da estação atafulhado do cheiro das águas e do lodo e do madeiro dos barcos e das tintas que sarapintavam uma Isabel Maria ou um Deus te Guarde que nem sei se os houve, mas calhavam nomes desses nos botes que eram semelhantes ao que levava a gente ribeira acima até ao lugar que o meu pai dizia “ amanhã vamos à Azenha”
A Azenha era sítio de moer e local de partir o folar

Mas o que eu dizia era da ponte que era enorme (tão grande!) e ficava com o mar lá muito longe e por cima da ribeira onde o barquinho do meu pai gingava ao ritmo do remo rodopiando à popa
que a mim me parecia tarefa de gigante
que bem que ele fazia girar o remo na água onde eu via correrem peixes
“não te debruces” avisava a mãe agarrando-me forte o bibe de folhos e segurando ao peito o outro, o meu irmão mamando

E passávamos sob a ponte
e passávamos a outra
e por debaixo delas o sol sumia por milagre ( o que não é então milagre?!)

Que bela era a ponte e grande
e longe que ela ficava da cidade…

Comentários

Mena G disse…
O cheiro do alcatrão com que os "calafates" pincelavam os cascos dos barcos...
O lodo nos dedos descalços a afugentar minhocas e casulos...
O mistério do buraco em forma de 8 e o montinho de sal: lá saía o lingueirão!
Não gostava de pesca mas adorava "apanhar" o isco.
Debaixo da ponte.
gaivota disse…
debaixo da ponte, o cheiro da água e do alcatrão, as reparações dos barcos...
beijinho
éf disse…
Eu, lembro-me mais é dos caranguejos içados da ponte da estação, numa joeira feita com um aro de bicicleta e rede, uma pedra da calçada a lastrar e umas cabeças de peixe-espada a engodar.
;)
Vieira Calado disse…
efe:
Era desses caranguejos que eu falava. Na ponte, junto à Estação e que foi abatida, quando fizeram a Avenida, em 1960.
éf disse…
vieira: ahhh... mas esses ainda deviam ser mais saborosos, sem os metais pesados dos detergentes, que já apanhei depois de 68. Nessa altura esses apanhavam era com os resíduos do esgoto do matadouro, coisa mt mais saudável e nutritiva.

;)

Mensagens populares deste blogue

Deodato Santos - Artista? Figurinista? Escultor?

Chamou-lhe um Figo