nem mestre/ nem aluno
JO,
o Comendador, revelou que a sua entrada no domínio da arte se ficara a dever ao mundo judaico, numa oportunidade que logo aproveitou.
Estava eu a trabalhar na penumbra da cave e o
homem que me observava a partir dos três degraus que faltavam descer, disse-me,
ao dar pela sua presença, que quando tivesse material suficiente me faria uma
exposição no seu barco acostado na margem do Sena.
Eu vivia num aposentado barco de dragagem
acostado não na margem chic como o dele, mas numa ilha uns quilómetros mais
abaixo. Tinha lá chegado por acaso directamente da Praia da D.Ana em Lagos, e só
algum tempo depois soube que estava num lugar que fora dos Impressionistas.
Ao pretender ir a terra a cheia fez-me perder o
controlo do bote e teria que esperar algum tempo até lá poder voltar. Mais uma
vez o acaso, através de Maryvonne Guyot, me levaria a encontrar acolhimento temporário
numa república de estudantes em Montmartre, o famoso bairro dos artistas em Paris.
A SORTE GRANDE
Ao contar-lhes o sucedido, eles acharam que me tinha
saído a sorte grande. O homem era o dono da casa além de muitas outras da rua.
A casa era um corrupio e novo acaso me acena um
lugar como animador de juventude na Suíça nas margens do Lago Léman. Esqueci a
prometida exposição.
Era um projecto de um departamento do Estado para
um Centro de Juventude, mesmo à beira-lago numa zona de vivendas milionárias.
Perguntaram-me um dia se eu estaria interessado no
restauro de uma antiguidade e, se estivesse, que me dirigisse a uma das
vivendas onde morava uma senhora alemã que fora secretária do DDT de França.
Tratava-se de uma cadeira ostentando no interior
do seu assento a assinatura de um célebre ébéniste francês e a senhora disse-me
que se eu não conseguisse resolver o problema que a enviaria pelo meio aéreo (o
avião não estava ainda vulgarizado) para um especialista parisiense.
Experimentei e consegui (obrigado mestre Américo,
de Lagos, com quem aprendi a marcenaria) e nela sentado enquanto ela me fazia
face na sua secretária, de taças na mão, me diz que tem novo trabalho para mim.
CAMA
DE DOSSEL
Subimos aos seus aposentos pessoais e, mostrando-me
a cama, diz-me que pretendia algo mais de acordo com os tempos que se viviam.
Sopravam ainda fortes baforadas do Maio 68.
Não lhe fiz a cama.
Já tinha à espera outro acaso, cujo primeiro passo fora desta vez por mim planeado.
Tão louco que atraiu uma jovem universitária
alemã, que alterou os seus planos para seguir os de comprar um pedaço de terra,
construir um abrigo, plantar árvores, em Portugal.
Esse outro acaso situou-se em Barão
de São João, a meia dúzia de quilómetros de Barão de São Miguel,
terra dos meus avós, e entendo isso como uma obrigação da herança genética, a
de resolver situações que eles deixaram em suspenso.
E
o querer ser artista, que me levara a Paris? Deixei de pensar nisso, mas foi
aqui que realizei o objecto Cristautodescrucifica-se que, na extensa espessa e
milenar iconografia nunca tinha sido desse modo tratado.
INGE WOLFF
E
quanto a Inge Wolff ?: elaboro que ao ter de fugir na sua infância da sua perdida
Pomerânia, no Mar do Norte, tenha ficado dispensada de resolver as heranças genéticas
próximas, mergulhando desse modo nas amplas obrigações intemporais da
humanidade. Perdida a sua pátria tornou-se Cidadã do Mundo.
5ª
feira eremitas eremitérios alucinações
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Abraço