O banho de vinte-e-nove

Aljezur: Reza a lenda que os Cavaleiros de Santiago, chefiados por Dom Paio Peres Correia, surpreenderam os mouros a banhar-se no mar, longe da protecção das muralhas da vila, como era sua tradição. Tal foi o massacre que o mar ficou vermelho. O castelo foi conquistado em 1249.

In Guia Expresso de Portugal, 1995

Mais precisamente a 29 de Agosto de 1249. Assim reclamava Dom Afonso III a conquista do último reduto do, até então, território do Gharb.

Desde miúdo que ouço falar no “banho de vinte-nove” (de Agosto). Um banho que, no dizer das pessoas mais idosas da aldeia do concelho de Santiago do Cacém de onde sou natural, era um banho de mar que valia por todos os banhos que se pudessem tomar ao longo do ano.

Aliás, realizavam-se verdadeiras caravanas de carros de bestas e toda a sorte de veículos a caminho das praias, por todo o Alentejo litoral e costa ocidental do Algarve.

O meu pai até conta que vestiam a melhor roupa que tinham, o fatinho de ver-a-Deus, por cima do calção de banho, e que “aquilo era uma festa, chegávamos a ser dez ou doze moços em cima da camioneta de fulano, um farnel do melhor, pães de quilo, chouriças, garrafões de vinho tinto, era aquela praia de Sines cheia de família daqueles montes todos”…

De Sines a Lagos, das serras para as praias, verdadeiras romarias se deslocavamdos campos e das serras de manhã cedo a caminho da praia, de onde só se regressaria à noitinha.

Na zona de Santiago do Cacém / Sines, esta tradição desapareceu. Mas em Lagos constatei, e desde que cá estou, que ela persiste, ainda que assumindo uns contornos diferentes, mais nocturnos e mais ao sabor da fartura de transportes e fontes energéticas para manter a praia alumiada.

Agora, e pelo que me tem sido dado a ver desde 1995, a primeira vez que assisti a tal, o centro da festa, em Lagos, é a Praia da Batata. Convida-se um conjunto ou dois, abrilhantam-se bailes, a manter a população animada e em fraterno convívio.

Chegada a meia-noite, e com o estalejar do fogo-de-artíficio, é ver quem queira aproveitar a bem-aventurança prometida por tal banho jogar-se às ondas, se for caso de sueste, ou à calmaria das águas mais frias se este não soprar.

Quem diz na Batata, diz na Meia Praia. Aqui, e devido à extensão da dita, pululam fogueiras, em torno das quais se juntam grupos de amigos de todas as idades.

Por certo, cada vez menos pessoas, mesmo em Aljezur, ligarão a tradição do Banho de 29, que ainda persiste nesta região, à conquista do castelo de Aljezur, a 29 de Agosto de 1249. Não é por acaso que o feriado municipal de Aljezur se assinala nesta data.

Mas sempre me pareceu interessante tentar saber de onde vêm costumes desta natureza. Para celebrar a conquista do que faltava, na época, para completar o mapa do actual território continental português. Mas também para não esquecer que o banho assinala, por certo, o massacre que levou a essa conquista…

(Foto daqui)

Comentários

ND disse…
excelente trabalho de pesquisa e informação, arion.
ND disse…
tenho um ódio visceral a fogos de artifício; não há um só que não acompanhe com uma lengalenga interminável (mental) sobre o desperdício público e esta tendência de fazer explodir em sons e luzes o que é tão mais bonito visto todas as noites sem espalhafatos.
Anónimo disse…
Bom!
Disseste tudo e bem, que coment�rio se pode fazer?
Que pensas do banho 69 acompanhado por uma melodia gemida no girofone? Sabes o que �
um girofone? N�o!
Um escritor da nova vaga que escreveu � pouco um Claustro Fodias, esqueceu-se do banho 69 na Igreja das Freiras.
Que pena...
A tua disseca�o sobre o B29 est�
porreira.
Parabens.
O Analfabeto
vieira calado disse…
Nos anos 50, não havia banho de 29 na Bartata. Era só na Meia-Praia, cá por estas bandas. E cá, como donde tu vens, também se dizia que o banho valia por todos os do ano.
É que, para muita gente que vinha dos campos e das serras, era o único banho de corpo inteiro que tomavam durante o ano!
Boa noite
Anónimo disse…
Noutro blog da terra (Mesa Redonda) falou-se também sobre o Banho de 29. Ali gerou-se discórdia acerca da data: uns, que seria a 29 de Setembro (dia de um tal S. Miguel); outros, que seria a 29 de Agosto. O objectivo inicial dos comentários, pelo que me pareceu, era mais para atacar o poder autárquico, que teria subvertido a data do evento mudando-a para 29 de Agosto, do que para esclarecer o pessoal.
Neste blog vejo a referência à data de 29 de Agosto e a sua fundamentação na data do feriado municipal de Aljezur e na lenda do banho dos mouros nessa data, em tempos recuados de um rei Sancho, que teria possibilitado a conquista do castelo pelos cristãos portugas. Não sendo muito, já é alguma coisa, ainda que menos interessante que o depoimento de protagonistas e com recurso à sua memória. Aqui encontro também a referência de que a praia mais concorrida para o efeito seria a Meia-Praia.
Segundo recordo, e já lá admiti que poderia estar enganado, o Banho de 29 tomava-se na noite de 28 para 29 de Agosto. E como também disse lá, o Banho não era apenas festa de “serrenhos”, mas de citadinos. As pessoas dos montes e das povoações próximas, como Odiáxere e Arão, por exemplo, ficavam-se pela Meia-Praia, próximo do Forte ou do Vale da Lama, enquanto os citadinos se banhavam na praias da Batata e dos Estudantes (embora os grupos mais afoitos — porque a festa era colectiva, com romagem por grupos de vizinhos e vizinhas, pais e filhos com respectivos namoros — lá se aventurassem com ida até à Meia-Praia).
Convém recordar que antes de 1960 (antes da grande obra de remodelação que a cidade sofreu com a construção da Avenida) a Meia-Praia era muito pouco frequentada. Era zona de nidificação das gaivotas e de pesca dos Índios, e de pouco mais. O pessoal dos campos ali próximos é que a frequentava. Para o pessoal da cidade, ficava longe (tinha de se ir pela Estação), e além disso era praia de má fama. De vez em quando, devido aos pegos que os redemoinhos formavam e aos declives abruptos, morria por lá afogado um aventureiro do campo que não sabia nadar (e não saber nadar era muito mais frequente do que é hoje). Por essas razões, no meu tempo de garoto só para lá se ia para jogar à bola, porque nas praias pequenas o cabo-de-mar não deixava, e mesmo assim só em alturas coincidentes com a maré baixa, quando a praia ficava bem maior e ali à boca do cano (junto à fortaleza do Pau da Bandeira) se passava a vau ou com pé.
Duvido que no Banho de 29 a Meia-Praia fosse a praia mais concorrida. E lembro-me de ir ao Banho, com meus pais, às praias da Batata e dos Estudantes, essas, sim, bem concorridas. E a concorrência variava, de ano para ano, com a fase da Lua: quanto mais luar, menos a banhar. Compreende-se porquê, numa época em que o pessoal só se podia arrimar às moças às escondidas...
JMC.
Anónimo disse…
Sim, provavelmente por isso e

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