Às curtanheiras
Moças rosadas do calor que a apanha dava.
Figo de tamanho diverso.
Figos vários, de Junho para a frente ou até antes.
Maduros, primeiro os lampos e mais tarde os inchários.
Figos mais encarnados que verdes, quase lilases, a derramarem vermelhos melados desunindo o bico em quatro brancas interioridades: um avesso felpudo.
Figos verdes por fora e tão rubros por dentro, os que as moçoilas apanhavam em grandes quantidades, as saias presas com um alfinete entre as partes, ei-las escarranchadas num galho mais forte, o lenço rodado sob o queixo, atado atrás sobre o pescoço. A medo ou em descarado jeito, papavam um e outro que eram frescos e apaziguavam fome e sede. Comiam-nos inteiros. Casca e tudo. Enfiados na boca que figo deste tipo, maduro pelas branduras de entre Junho e Agosto, é as mais das vezes, figo miúdo.
O figo coito para secar nas esteiras, para comer torrado nos frios do Inverno vindouro, para fazer os santinhos.
Por vezes, corria do figo um fio de leite. Um peganhento suco saindo do pé: não está o figo ainda maduro. Foi engano de retirar da figueira o dito. Foi descuido.
E cuide-se quem o figo assim come: o leite abundante que escorre, ensarrabulha línguas e faz crescer nas bocas, inestéticas borbulhas.
Há quem não atine sequer com a proximidade da folha de qualquer figueira: fica de pronto parecendo que todo o corpo foi coberto de tinha. Gente fina que não podia comparar-se àquelas formosas e destemidas moçoilas da apanha.
Verde, mas muito maduro, é como se quer comido o figo coito. Que o vejamos teso: modo, tenho eu por certo, de assim avaliarem as meninas que aos molhos desciam de umas terras a outras, em ranchos, por mor de fazerem a apanha.
Conta-se que por essas noites de estio elas dormiam nas eiras, entre uma e outra apanha trocada por uns réis, magros tostões, uma malga de caldo e um naquito de pão. Uma saquita de figos. Se dão.
(Dizem que pelas noites de uma lua que só se dá por Agosto, de eira em eira, no restolho ou sob uma figueira, ardiam corpos jovens de moçoilas. )
Sobre figos e as curtanheiras, documente-se aqui onde me inspirei
Já publicado aqui
Comentários
Bjo
Nostálgico o seu texto, rememorei cheiro, cores, sabores de outrora.
Obrigada
Figuitos estalados
Ana
se diz por cá!
Hoje, não gosto por ai além de figos, nessa altura, a do crime, tb não gostava.
A moçada aprendia a conhecê-los maduros à conta duns beiços inchados por comê-los verdes.
JMC
Mas dos figos maduros com sulcos na pele diz-se arregoados. Foi assim que ouvi e disse. E além do mais tem lógica.
JMC
Em relação aos figos, o Calado prefere a forma arraguados (que não tem significado a não ser para os que a usam), enquanto outros preferem a forma arregoados, compreensível mesmo para os não algarvios (e se vem no dicionário, então, nem tão pouco se trata de corruptela). Só ouvi aos meus avós, e eu próprio, em moço, sempre disse arregoados. Mas, por exemplo, em relação à expressão minha mãe, tantos há que dizem 'nha mãe enquanto outros dizem m'nha mãe.
Se fosse em relação a um termo próprio da região, não usado por outras bandas, a coisa já seria mais complicada. É o exemplo de escarado, que só por aí se usa com o significado de bêbado.
JMC