duas artes

Eram pouco mais de 7 horas e a Meia Praia estava farta, como se da barriga de uma onda tivesse havido um parto desmedido. O cão ladrou ameaçador, ali estava tudo aquilo que ele defendia como seu: os tractores, os cabos, as redes, as gentes e o barco; não seria da sua responsabilidade a guarda do pescado ou quem o levava em caixas tinha o seu consentimento; aceitava sem reservas ruidosas a trasfega. Dois homens afastaram-se daquele centro de azáfama com os olhos ao largo; o barco deles ainda navegava e demoraria; meti conversa e um deles fez-me saber, crítico, que apesar da proibição de viaturas no areal, aquela lava fora puxada por máquinas, um homem ou dois para ajeitar o cabo; – suspendeu por instantes o que me dizia e julguei pressentir-lhe a dúvida; fi-lo continuar dizendo-lhe que percebia; «cabo» fora a palavra que o suspendera; por um brevíssimo instante, ele avaliou quem tinha pela frente, e dispunha-se a alterar a mensagem para a incorrecção de «corda». Por instantes fiquei eu com vontade de lhe fazer saber, crítica, que não devemos alterar uma palavra correcta para uma incorrecta só porque supomos que a pessoa que temos pela frente é ignorante; fazê-lo é difundir ignorância - e todo aquele areal revolto e misturado escondia agora pescado que não tardaria a exalar pútrido com o calor; a lava deles, boa ou má, seria tirada com a força de braços e a zona não só seria pouco mexida como ficaria limpa. Desejei-lhes boa sorte que era tudo o que, no momento, podia desejar-lhes.

Comentários

vieira calado disse…
Devemos difundir o que é correcto.
Mesmo se a pessoa que temos pela frente for ignorante.
Muito bem miuda!

Mensagens populares deste blogue

Deodato Santos - Artista? Figurinista? Escultor?

Chamou-lhe um Figo