Carro de cana


Era uma rua feita de barro e terra.
Pedras rolantes, ladeira abaixo.
Era uma rua com trilhos serpenteantes, feitos dos nossos pés descalços.
Era uma rua de brincar, onde se vivia.
Com a sirene do peixe soando ao meio-dia e o cheiro da sardinha fresca nos dedos delas e as tamancas repletas de escamas brilhantes.
Era uma rua feita de barro e terra e mercearias e rebuçados de mel.
Era uma rua de brincar, onde se vivia.
Na rua ao lado vivia o mar, na babuja do estaleiro.
Eles, no sol da tarde, esticando as redes na avenida desenleando limos, de navete tecendo buracos e atirando à malta as bóias velhas, quando a cortiça delas já morria.
A alma dos carrinhos de cana! Era isso que a malta queria!
Os “pneus”, encaixados com arames, fortes e folgados, a dar “direcção”.
O “volante”, ajustado no nó de crescimento da cana, permitindo curvas.
E descíamos ladeira abaixo serpenteando, trilhando, voando, conduzindo o carro mais importante do mundo!
Era uma rua feita de barro e terra e mercearias e rebuçados de mel e gente com cheiro a sardinha fresca.
Era uma rua de brincar, onde se vivia.
(Já foi publicado aqui)

Comentários

francisco disse…
os que tinham duas rodas de cada lado eram os "mercedes" e para os todo-o-terreno faziam-se uns entalhas nas cortiças para conferir o necessário piso. Os que conheci eram feitos com canas secas, e não verdes, tampouco usavam o "penacho", resto de folhagem (talvez os das raparigas).

Belos tempos.
Mena G disse…
Tens razão, Francisco.
Já a minha mãe, quando lhe mostrei o desenho, disse: "Lembro-me disso, mas sem essa flor em cima"!
Foi coisa de "menina", ao fazer o desenho:)
Anónimo disse…
TAMBEM DESCI ESSA LADEIRA, ASSIM COMO A DA MERCEIRIA DA D. INES QUE VAI DAR AO LARGO DO DRº CLARINHA. MAS MENA G O MEU CARRO DE CANA E RODAS DE BOIAS DE REDES DE SARDINHA,NÃO TINHA PENACHO.SAUDE E OBRIGADO PELA RECORDAÇÃO
A OUTRA disse…
Parece que conheço este miúdo de qualquer lado!...
É um miúdo muito giro e o carrinho uma delícia.
Maria

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