A primeira vez

Lembro-me muito bem de onde estava e de como soube que a minha vida futura se faria em Lagos.

Estava-se em 1994 e corria o mês de Maio – acho que ainda era Maio – e os resultados da primeira parte do concurso de professores estavam para sair por esses dias.

Era um intervalo entre aulas na já extinta Escola Secundária Ana de Castro Osório em Setúbal e alguém entrou dizendo que os resultados já tinham saído.

Era um tempo em que ainda se conseguia “efectivar”, e, pasme-se, pedir destacamentos para escolas das zonas onde se vivesse ou para onde se quisesse mudar, se fosse esse o caso.

Penso que a primeira coisa que me veio à cabeça foi o ter dito várias vezes ao longo desse ano lectivo que, caso fosse à beira-mar o local onde ficasse colocado, aceitaria o lugar e me mudaria para lá.

De imediato me dirigi à secretaria a saber do meu veredicto: uma das duas escolas secundárias existentes em Lagos, a 17.ª de entre as cinquenta que havia enumerado no boletim de concurso.

Lembro-me de ter dito prontamente que viria e que me deixaria ficar, a que se seguiram os comentários a que estávamos habituados quando se tratava de vir dar aulas para o Algarve. Que alguém dissera que os professores em determinado sítio eram conhecidos como “meias-doses” porque era o que pediam às refeições nos restaurantes onde almoçavam/jantavam todos os dias, que eu teria que deixar a casa onde estivesse mal chegasse Junho e ir para o parque de campismo como tinha acontecido a não sei quem, que o Algarve era muito “bonito” para se ir para a praia mas que depressa me cansaria, sobretudo no Inverno, entre outras vivências e mitos que adornavam o imaginário dos professores que se vissem confrontados com a inevitabilidade de serem colocados no Algarve.

Acontece que eu estava farto da vida que tinha em Setúbal, queria ser eu próprio num local construído em mim “só” por mim, sem laços familiares, sem – ainda – amigos, sem referências absolutamente nenhumas a não ser as que, fazendo parte de mim, me permitissem lembrar de quem tentava ser quando os ventos soprassem mais de rijo, porque soprariam, e eu ainda desconhecia o “sueste”.

A ideia que fazia de Lagos era uma ideia romanceada, era a cidade onde o Zeca Afonso tinha dado aulas, ainda que por um breve período, a cidade onde a Sophia de Mello Breyner se refugiara na sua poesia, onde o Cutileiro esculpira uma estátua polémica de um rei não menos polémico…

Nunca tendo antes estado em Lagos, imaginava-a uma cidade “diferente” das restantes do Algarve, já que Algarve, para mim, era a massa caótica e desordenada de Albufeira e Quarteira, o local obrigatório para onde NÃO ir passar férias no Verão.

E existia tanto imaginário por perto, Sagres, o Cabo de São Vicente…

O vento soprou de feição desde o primeiro momento: um colega da Ana de Castro Osório, originário da zona de Lagos, prontamente se ofereceu para falar com os pais no sentido de me alugarem a casa, e prontamente enviei um fax ao órgão directivo da escola dizendo que não iria pedir destacamento.

A primeira viagem que fiz a Lagos, no início de Junho de 1994, fez-se ainda pelo IP1 dos camiões e dos ritmos lentos, uma imensidão de Alentejo e serra a separar o meu futuro de um passado que eu começava a largar.

O sol brilhava e estava um calor ventoso quando passámos à placa que diz Lagos junto ao monte Molião. Só havia uma ponte sobre a ribeira de Bensafrim, a marina estava quase pronta para inauguração e havia semáforos onde hoje há uma rotunda com cadeiras.

Lembro-me de me perguntar se era mesmo aquilo que queria, mas também de me responder que, não sabendo exactamente o que querer, a melhor forma de o descobrir seria obrigar-me a querê-lo.

Só assim a vida seria minha, e havia aquele “factor-roleta” que completava o desígnio.

Foi há treze anos.

Comentários

éf disse…
"fez-se ainda pelo IP1 dos camiões e dos ritmos lentos, uma imensidão de Alentejo e serra a separar o meu futuro de um passado que eu começava a largar."

do tempo em que as viagens eram poesia.


ó sôpessôr: Verão é com maiúscula, especialmente no Algarve.
;D
eu, e falo só por mim, já tenho andado por aqui e por acolá, e nunca me senti tão bem como aqui
Tareca disse…
E nunca mais vem a reforma, ppara eu voltar!!!
Vou-me contentando com os fins de semana.
Ainda bem que ficou setôr! Sabe-me bem visitá-lo e recordar a minha cidade.
tufa tau disse…
pelos vistos está a valer a pena....
Acilina disse…
Eu também estou à espera da reforma, para voltar para lá, sem dúvida!
Anónimo disse…
em 13 anos, muita coisa muda não é!?

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