Diálogos Lidos
DIÁLOGOS LIDOS é uma proposta aos criadores da palavra escrita, que fica num meio-termo entre a palavra intimista e a palavra teatralizada.
Curtos diálogos, com a duração média de dez minutos, lidos por duas pessoas como se estivessem à mesa do Café.
Mensalmente, a cada segunda terça-feira do mês, no Café Bzaranhas em Barão de São João, e na semana seguinte no Teatro Experimental de Lagos, sito na rua Combatentes da Grande Guerra, em Lagos.
Têm participado Maria de Fátima Santos, Daniel Matos, Madalena Luz, Manuela Caneco, Domingos Pestana, Pedro Magalhães, Reinaldo Pacheco, Carla Vicente, Antónia Vargas, Deodato Santos, Rita Rodrigues, e Joana Melo.
ELA – Que procuras?
DIÁLOGOS TOURISTES
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AUTOR: JOANA MELO
LIDO POR: RITA RODRIGUES
SESSÕES DE 13 DE NOVEMBRO CAFÉ BZARANHAS
20 DE NOVEMBRO TEATRO EXPERIMENTAL DE LAGOS
AUTOR: REJO MARPA
LIDO POR: REINALDO PACHECO
CARLA VICENTE
MISTURA A BRINCAR
BRINCANDO A
MISTURAR
ELA – Que procuras?
ELE – Farto-me de procurar e o que procuro, não
consigo encontrar, não encontro, por muito que esteja a procurar, porque não me consigo lembrar do que estou a procurar…
ELA – Se me disseres o que procuras, talvez te possa
ajudar a procurar, por isso
tens que te tentar lembrar, do que andas a procurar…
ELE – O problema da minha procura, é precisamente o
que procuro, pois de
tanto procurar, esqueci-me do que procuro, não me consigo lembrar e olha que à muito que estou a tentar…
ELA – Sendo assim, realmente é difícil ajudar-te a
procurar, porque se nem sabes
o que procuras, como te posso ajudar?
ELE – Disseste outra vez ajudar? Estou tentado a
aceitar a tua ajuda, porque
uma ajuda é sempre uma ajuda, e quem oferece uma ajuda é
porque quer realmente ajudar e eu seria parvo se não tentasse aceitar a ajuda de quem realmente está tentado a querer ajudar…
ELA – Eu posso tentar e estou tentada a tentar desde
que também queirastentar,
e se tentares aceitar a ajuda que te quero dar, então vamos os
dois tentar, porque a dois é mais fácil ajudar…
ELE – Eu também estou tentado a tentar aceitar, a
ajuda que me queres dar, e
se aceitar, eu sei que também terei que dar, terei que ajudar,pois
só assim, é possível acreditar em quem
nos quer ajudar…
ELA – Assim é que é falar, mas vamos lá começar,
porque se for falar por falar,
nem vale a pena tentar, porque se torna impossível ajudar quem
não quer sequer tentar…
ELE – Então não vou mais falar, nem tão pouco
argumentar, porque qualquer argumento, pode atrasar o procurar e um atraso nestaprocura é argumento de peso que no fim pode pesar para não ter argumento, não poder argumentar.
ELA – Já tentaste parar para pensar, o que estavas
realmente a tentar procurar? Começa por parar… Depois podes
começar a tentar…
ELE – Eu tento pensar mas ao pensar encontro no
pensamento, pensamentos
que me deixam pensativo, e é pensativo que fico,porque
não paro de me tentar lembrar, daquilo que tenho estado a
tentar procurar…
ELA – Então pensa, ocupa o pensamento com pensamentos,
mas pensa,olha,
torna a olhar mas com olhar de ver e vê se consegues ver, até conseguires ver o que estavas a procurar nesse maldito jornal.
ELE – Jornal? Eureka!... já sei, e o que sei, é que a
minha procura, o que eu tenho
estado a tentar procurar, era tão somente a procura, de quem procurava
por um simples emprego…
ELA E o que
tentas encontrar? O que te levou a pensar puderes encontra um
emprego no jornal? E o que procuras nessa procura?
ELE – Sabes, adoraria ser cantor, porque para mim, o
canto é o encantoque
encanta, é o encanto do encanto de cantar, é o sonho que me faz
sonhar, e enquanto for possível sonhar esse sonho, eu não voudeixar de tentar procurar por de entre sonhos, aquele sonho, aqueleque
me tem feito sonhar; E tu, tu não tens o teu sonho? Aquelesonho
dos sonhos, o sonho que te faz sonhar?
ELA – Tenho pois…
Eu, eu adoraria ser dançarina, porque para mim, a dança
é o balanço que balança , é o balanço do balanço de dançar, é o
equilíbrio que faz baloiçar o balanço da dança, no balanço de dançar duma dança singular…
ELE – Então queres dizer que o canto e a dança…
ELA – são o encanto que encanta…
ELE – Quem dança…
ELA – E quem canta…
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AUTOR : MANUELA CANECO
LIDO POR: MANUELA CANECO
PEDRO MAGALHÃES
DIÁLOGO ENTRE A TERRA E
A CHUVA
Terra – Minha amiga chuva, até que enfim! Que saudades! Que necessidade! Que
bom lavar a poeirada! Que bom ser tocada de novo por ti!
Chuva – Sim, posso dizer o mesmo, há tanto tempo que não te regava, que não te
penetrava, nesta volúpia única, que é a nossa união, o nosso encontro!
Terra – Sempre ouvi os antigos dizerem: “ A chuva é o sangue da Terra” – a
sede da vida, portanto!
Chuva – E querida amiga, se a chuva é o sangue de ti, eu sou o teu sangue, as
pedras são os teus ossos. Repara, mesmo por aqui, quando molhadas por mim,
adquirem uma anatomia própria, uma certa expressão antropomórfica única… e
encantadora… qual ser emergindo para a sua verticalidade.
Terra – Fico tão viva, sou tão viva com a tua chegada! Só contigo, líquido
mágico, posso aguentar, todo o tempo de gestação e nascimento que num futuro
próximo se adivinha.
Chuva – Queres dizer a Primavera?
Terra – Esse período é tão íntimo, secreto, misterioso, escuro e ás vezes
assustador! Esse longo processo, esse tempo… que…
Chuva – Que… o quê?
Terra – O que tu transportas… lá de cima… é a coisa mais cósmica (com exceção
dos meteoritos!) que chega até mim… é a união do céu e da Terra! E tudo, mas
tudo fica, muito forte então. E voltando à Primavera, primeiro verde é Tão mal
compreendida, e respeitada…
Chuva – Queres dizer? Pelos humanos?
Terra – Claro, nunca na minha longa vida, com exceção dos grandes cataclismos,
fui tão mal tratada! Quando era Gaia e Maia, fui venerada, adorada como Força
da Mãe Terra, e agora?
Chuva – visto assim, do mesmo mal me queixo eu…
Terra – Que fazer?
Chuva – Dar-lhes de novo a noção do Sagrado?
Terra – Hum, essa noção já passou à história, acho que não é por ai. E eu
tenha tanta dor… tanta da minha bio-diversidade desapareceu para sempre! É
confrangedor! Até tenho medo de criar a próxima Primavera!
Chuva – Vamos fazer como Deméter? Quando Hades lhe roubou a filha deixou a
Terra sem plantas, nem frutos, nem nada. Só gelo! Os deuses tiveram que ceder,
para proteger a continuação da raça humana.
Terra – Isso foi há muito tempo… e os deuses já não se manifestam como
antigamente. Até Limúria e Atlântida, um pouco, mas depois… moita-carrasco! Nem
um som, nem uma palavra, só ocultas manifestações… para quem as procura! E… e…
Chuva – Ok! Isso é um sinal dos tempos, de agora… quem procura! Acha!
Terra – Talvez, talvez com a era da consciência, inteligência e poder dados
desde 1835, talvez comecem as mudanças, devagarinho…
Chuva – Será essa a nossa última esperança? Tal caixa de Pandora, a última
coisa que sair… talvez?
Terra – Mas, esta enorme ingratidão e destruição tem que parar! Tem que parar!
Não aguento esperar mais tempo! E o que se adivinha, não é tranquilizador…
Chuva – Lá isso é verdade; se os chineses e os indianos vão consumir tantos
bens e conforto como os europeus – e têm direito a tal! Precisamos 3 terras… tu
és só uma e única, velha e querida amiga…
Terra – Que dilema!
Chuva – Que catástrofe!
Terra – Privá-los de comida? Já os políticos o fazem e não serve de nada!!!
Chuva – Os homens tiveram que perder faculdades intuitivas, sagradas e
espirituais para conhecerem e dominarem a sua personalidade individual, e o
conhecimento da matéria…
Terra – Mas isso não acrescenta ou tira nada aos nossos problemas de agora…
Chuva – Sei por experiência própria que tudo é movimento e nesse movimento,
sempre há mudança…
Terra – ESTÁ BEM! MAS ATÉ QUANDO SÓ ESPERANÇA DA MUDANÇA?????
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AUTOR: DOMINGOS PESTANA
LIDO POR : DOMINGOS PESTANA
MADALENA LUZ
DIÁLOGOS TOURISTES
Local – Um bar num hotel, que se
prolonga por um aberto e largo espaço numa tarde de um cálido verão de levante.
Cenário – Uma pequena e baixa mesa redonda,
onde duas ergonómicas cadeiras, cujo conjunto está centrado junto a uma parede
de duplo vidro translúcido, donde se perspectiva o recorte da serra.
Personagens – A Barmaid de seu nome Miss
Rosabela
- O cliente senhor engenheiro
electronico Clarete
Episódio
quatro
…..
Clarete
– Muito boa tarde
Rosabela
– Boa tarde, por favor
Clarete
– Por favor sirva-me uma Débora
Rosabela
– Sim, um momento vou prepará-la
Clarete
– Este óptimo cocktail, recorda me um outro tempo …
Rosabela
– Todos nós temos outros e belos tempos …
Clarete
– Reparo nessa caixa onde depositam vasilhame e reflito.
Rosabela
– Separamos o vidro, as latas e os pacotes que ficam cada em contentor próprio
Clarete
– Sim, tenho um vago conhecimento da separação, da reciclagem …
Rosabela
– A ecologia, os resíduos, o C0 2, as novas energias
Clarete
– Essas coisas começam a espalhar-se um pouco pelo país
Rosabela
– Pois, temos os ecopontos e ecocentros
Clarete
– Só ouvi falar dos ecopontos
Rosabela
– Os ecopontos, são um conjunto para a separação de resíduos, referenciando-se
a sua função pela côr
Clarete
– Sim, são o amarelo, o verde , o azul e normal para os indiferenciados
Rosabela
– O amarelo para o plástico e afins, o verde para o vidro e o azul para papel e
cartão
Clarete
– E … existe um vermelho mais pequeno, o pilhão para as pilhas
Rosabela
– E têm também a compostagem
Clarete
– O que é isso?
Rosabela
– Consiste na recolha de restos de legumes e fruta tanto os de casa como os de
pontos de venda que con juntamente com as ramagens de jardins particulares ou
públicos, colocados em contentores próprios, necessitam temporariamente de
alguma água para se decomporem, resultando daí ao cabo de uns meses de um
óptimo composto orgânico para adubar hortas.
Clarete
– Boa ideia, tudo se transforma
Rosabela
– Saiba que mais de metade dos resíduos produzidos diariamente no mundo
inteiro, podem e deviam ser separados e posteriormente reciclados.
Clarete
– Não, não sabia
Rosabela
– Todos estes factores e outros conjugados irão diminuir o C02 do planeta
Clarete
– Sim essas coisas e também os automóveis híbridos
Rosabela
– Penso que só após o desenvolvimento das técnicas agora iniciadas e após a sua
massificação é que os resultados poderão surgir.
Clarete
– Sim, mas o começo é já um bom sinal
Rosabela
– Regressando ao princípio do nosso diálogo, explico que um ecocentro é um
parque de grande dimensão que recebe: electrodomésticos, madeiras, móveis,
baterias, entulhos diversos, etc
Clarete
– Assim, todos os resíduos têm um local onde são depositados
Rosabela
– Sim, mas ainda temos resíduos industriais, que requerem um tratamento muito
específico
Clarete
– Desses não me recordava
Rosabela
– E ainda os resíduos químicos que se sub-dividem em biológicos e químicos cuja
origem em hospitais, centros de saúde, farmácias e laboratórios, só são
recolhidos por empresa certificada para tal
Clarete
– No meu tempo de mais jovem NADA disto existia
Rosabela
– Ainda vão a tempo de contribuir para uma casa universal mais verde
Clarete
– Ainda?
Rosabela
– Sim bastando que na iluminação se previlige a luz natural e quando o trabalho
termina se apague a luz; se desligue no computador o scren saver a impressora
multi-funções; o carregador do telemóvel e os pequenos electrodomésticos; que
o ar condicionado desça 1 a 2 graus, que existam plantas no escritório ou em
casa porque transformam o CO 2 em oxigénio; que as torneiras possuam redutor de
fluxo; as dependências de uma casa possuam detectores de presença; que quando
for numa qualquer deslocação ande o máximo a pé, poupando dinheiro de
combustivel e praticando exercício fisíco; e que todos os resíduoa possíveis
sejam bem encaminhados.
Clarete
– São tudo boas medidas e se todos cumprissem, seria óptimo
Rosabela
– Sabe, o povo não tem tido da parte de quem nós elegemos para governar, quem
eduque para uma política ambiental séria e de forma inteligente
Clarete
– Esta problemática bem como outras de muito interesse, tem sido muito mal
tratadas. As pessoas que nos partidos ascendem a lugares elegíveis não tem
cultura, são ignorantes, são sim oportunistas que só pensam na sua vidinha e já
se esqueceram quando criticavam os tipos do estado novo e do partido opositor
Rosabela
– Li que a Dinamarca, está a desenvolver uma estratégia e em 2050 tornar-se-à independente
em termos energéticos e com recursos a fontes não poluentes.
Clarete
– Uma maravilha de nação
Rosabela
– Os nórdicos são povos educados, muito trabalhadores, sem analfabetos, com
cultura que desprezam a intriga e a má-língua
Clarete -
Talvez por causa do frio e da religião protestante, pois aprenderam a ler cedo
para interpretar a biblia em séculos idos
Rosabela
– Deseja outra Débora?
Clarete
– Não obrigado e até breve.
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AUTOR: MARIA DE FÁTIMA SANTOS
LIDO POR : MARIA DE FÁTIMA SANTOS
MADALENA LUZ
DIÁLOGOS IMPOSSÍVEIS I
C - as mentes andam desarrumadas
X - tu também achas?
X - diria que é do ar em volta, este ar de
tempestade a cada instante…
C - talvez seja isso…mas é muito mais… e nem
sei se não andaremos desatentos…
X - tu sentes o peso do passado em tua volta?
e o futuro entrando insidioso, também sentes?
C - nem me fales…
X - tu também sentes?
C - parece uma humidade, parece um vento…bates
de portas e gritos, e sobretudo os ais …parecem de quem ainda nem os deu e pede
que não os sonhemos desse modo…
X - isso…isso…parece uma voragem, um vórtice
que se tivesse feito no infinito e esteja a desenrolar-se, devagarinho…
C - e eles nem notam…parecem desatentos…tu
não achas?
X - sim, sim, é como se…
C - como se estivessem a cair para dentro…
X - tal e qual como tu dizes! é mesmo isso!
C - não fui eu que descobri, li num livro…
invenção de um escritor que me deu que pensar…
X - essa gente da escrita tem disso…
C - ele lá diz que é como se cada um estivesse
no seu eu e, mesmo assim, à beira de um precipício…
X - é isso tal e qual! cada um a cair para
dentro de si mesmo!
que bem que fica dito desse modo…
mas é do ar que respiramos…é desse ar repleto
de venenos…não é assim que entendes?!
C - é como te digo: as mentes andam
desarrumadas…
X - ah! serão rumores acumulados de gerações,
tudo lá dentro…será disso, então?
C - isso, decerto…
X - então que mais?
C - por mim é mais esse séquito de deuses e
demónios emaranhados no centro de um ser frágil…um ser solitário…
X - será?! tu assim o entendes?!
C - mais ou menos …
X - deus e o diabo e futuro e passado,
fantasmas e realidade e cada um a vê-los, quem sabe se a orar-lhes, na beira do
seu próprio precipício …é isso?
C - calma! não exageres! que um tanto está também na mão deles…
X - tens certeza?
C - quase diria que se não fosse a incúria a
que se votam, a eles mesmos e uns aos outros…e a cada um de nós, nunca
esqueças…
X- uns desagradecidos, sim…e a gente
velando-os a cada instante…
C - uma ingratidão bem o dizes…
X - um de nós para cada um deles, desde que
nascem e pela eternidade, e a gente a carregar este desassossego, este termos
que sofrer pelos seus erros…
C - protegê-los deles mesmo, costumo eu dizer…
X - isso, isso…
acreditas então que este vórtice que tanto me
perturba, este ar conspurcado, essa noção de andar de mente desarrumada, isso
tudo, se deve também a eles?
C - em muito boa parte…não duvido…
X - nem deuses nem demónios…apenas cada um
dos homens violando as leis dos tempos, as leis da natureza…tu achas isso?
C - nunca duvides…
X - ah! que bom ter-te encontrado neste
pedacinho do firmamento…
que aliviado fico, eu que andava amedrontado a
vê-los na beirinha deles mesmos, e tão negro lá no fundo…podem então desviar-se
do caminho…
C - tenho esperança que se deixarem de olhar
deuses e demónios, se deixarem esses seres obscuros a erigirem-se em catedrais,
igrejas, no dinheiro que tudo corrompe, e mesmo na choupana humilde onde entram
os deuses e se matam os irmãos…
X - que pereçam à mingua de nem lhes darem a
atenção que exigem …é disso que falas? deixar deuses e demónios?!
C - tal e qual!
X - e assim deixar de olhar o precipício! é isso?
C - por mim, já não tenho dúvidas…
X - e terão descanso?
C - não sei …não sei se é descanso o que
almejam os homens…
X - amor é então amor o que subentendo das
tuas palavras…
C - estava a ver que não descobrias o cerne
da questão, a solução de tudo …
X - achas, tu achas mesmo?
C - sei que temos andado esquecidos, mas ainda
vamos muito a tempo…
X - ah! e então poderemos remexer passados e
criar futuros sem os mesmos erros…aleluia!! apetece-me gritar
C - grita, grita, mas olha que não ficará muito
bem esse comportamento a uma entidade como a que representamos…
X- grito, sim e grito e grito e volto a
gritar que se apodreçam de esquecidos deuses e demónios, que os homens ficam bem com
o amor entre eles e a protecção amorosa dos seus anjos…
TELEPATIA DO SÉC.. XXI
A – Sentada na mesa
do café a ler um livro
B entrando de
rompante – Olá, desculpa o atraso,
A – Não faz mal.
B - Espero que tenhas recebido a minha mensagem. Não
respondeste…
A – Não, que mensagem? Marca o livro.
B – A dizer que ia chegar atrasada.
A – Não, deixei o telefone em casa.
B – Por isso é que
não respondeste! E eu já a pensar que tinha acontecido alguma coisa!
A – Não, estava só à tua espera! Estás bem?
B – Eu estou, tenho andado um bocado à pressa, já sabes
como é! E tu? Não sei como é que consegues andar sempre sem o telefone!
A – Não precisava dele agora. Pousa o livro em cima da mesa e de repente faz uma cara solene e
prepara-se para começar a falar.
B – toca o
telefone…vê quem é, pegando no telefone
Olha, desculpa, tenho mesmo de atender esta chamada.
A – acena com a
cabeça. Não faz mal! Vai olhando para
a B
A – Sorri com a expressão e começa a brincar
com o livro olhando de vez em quando para B
B - (…) Então diga, tem novidades (…) a sério? (…) Ainda nada (…)
Nada nada? (…) Nem uma palavra (…) Pois claro (…) aguardamos então… (…) Envio envio
não se preocupe(…) e assim que souber diga-me alguma coisa (…) Adeus. (Pousa o
telefone e vira-se para a A) Ainda
não tem nada para me dizer…! Onde é que nós iamos?
A – Na parte do estás bem?… eu estou, e tu
também? Sim, vai-se correndo…
Riem-se, Estão a olhar uma para a
outra e faz novamente uma cara solene decide-se e vai começar a falar….
B – Ai! Tenho mesmo que ir à casa de banho! Desculpa lá
nem para isso tenho tido tempo, vê lá tu!
A – Não faz mal! Vai lá à casa de banho.
B - Vou num instante Levanta-se
e vai…
A – Depois de B
sair suspirando Enfim!…. fica
todo o tempo com o olhar dividido entre o livro e a porta. Distraídamente bate
com os dedos no tampo na mesa marcando a passagem do tempo – assim que B sai da porta como que antecipando mais interrupções -
Olha, e não queres beber nada? Pede já,
que estás em pé.
B – Então não sabes que não posso… ah é verdade, não
viste a mensagem! Não posso ficar muito
tempo…
Aliás já estou atrasada! (Senta-se)
Onde é que nós íamos?
A – abre a boca
para responder e mais uma vez é interrompida
B – Ai! Esqueci-me de mandar o número ao outro, vou mandar já antes que me esqueça. Desculpa
lá!
A – Não faz mal!
B – Já está! Bem… já estou mesmo muito atrasada…. Bolas!
Não tenho tido tempo para nada! Desculpa lá , para a próxima venho com mais
tempo, prometo!
(toca o telefone) já me estão a stressar… (Atende ) Sim , já vou a caminho (levanta-se)… mais dez minutos um quarto de hora estou aí. (sem desligar a chamada) Tenho mesmo de ir… Depois ligo-to para combinarmos outra coisa. Importas-te?
(toca o telefone) já me estão a stressar… (Atende ) Sim , já vou a caminho (levanta-se)… mais dez minutos um quarto de hora estou aí. (sem desligar a chamada) Tenho mesmo de ir… Depois ligo-to para combinarmos outra coisa. Importas-te?
A – Não, não faz mal…,M
B - sai a falar ao telefone
A - Pausa, depois, como se B estivesse ali ) Só te queria contar uma coisa importante, mesmo muito importante….( faz
uma cara solene e vai começar a falar…. Pausa…) deixa estar…
fica para a próxima. Não faz mal….
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AUTOR : deodato santos
LIDO POR : deodato santos
AS CARTAS
Tem as pontas dos dedos frias.
Se estou de mãos dadas comigo
próprio como pode saber que tenho as pontas dos dedos frias.
Pôs-se de mãos dadas consigo próprio
ao ter reparado que as tinha frias. E isso aconteceu ao ter tocado nas minhas
quando me entregou uma carta. A carta manuscrita dizia: adorada amiga só agora
tive tempo para responder à sua carta que me enviou ontem e que recebi hoje
pela hora do almoço. Não calcula a felicidade que senti ao ler a descrição que
faz da paisagem que lhe apareceu em sonhos e que, se não for deste volume onde
vivemos, decerto será de um qualquer outro universo.
A carta que originou o contacto
entre os nossos dedos não era dessas. Era uma carta de jogar. O rei de copas.
Que apanhei do chão por você tê-la deixado cair.
Pois claro, onde tinha eu a cabeça.
Pois claro, era uma carta de jogar. Mas não o rei de copas. Era a rainha de
espadas.
A rainha de espadas. A rainha de
coração negro.
O Rei de Copas. O rei de coração
encarnado…em carne…em carne… em carne?
A rainha de coração negro…viúvo.
Viúvo desde que me conheço…e já
viúvo antes de casar.
Em carne… sangrando desde nascença…era o rei
de copas. Tenho a certeza.
Como pode ter tanta certeza.
Era a quinquagésima segunda carta,
portanto a última, de um baralho nunca dantes usado. Que eu apanhara do chão, a
seus pés, carta a carta, escorregadas do seu colo.
Parti a unha. Ao abrir um novo jogo
de cartas parti a unha.
O ESPELHO
É como naqueles sótãos das casas antigas onde se arrumam as
coisas que foram substituídas por outras. Enfim não é bem isto. Mas é a
sensação de coisas umas por cima das outras.
Para mim é um labirinto e ando por ali às voltas com a ideia
de que ali há uma lógica que não entendo. E perco-me à procura dessa subtil
lógica e de um padrão. E por vezes encontram-se coisas que achamos piada.
Adivinho que seja o caso desse espelho que ajustou ao
alcance da mão, já por quatro vezes, em deslocações cuidadosas e milimétricas.
Reparou? São coisas que faço mecanicamente sem pensar. E não
é por pensar que mais milímetro menos milímetro altere alguma coisa na relação
do objecto com o espaço onde está e com as coisas que tem à volta ou para
consigo próprio. E não tem nada a ver com simetria ou mania da arrumação.
arrumação …se visse a confusão que vai
no meu espaço intimo…
Físico…mental…emocional?
Sinto-me atado em espaços arrumados, tenho medo de desarrumar,
tenho medo de fazer cair as coisas como nos supermercados.
Compreendo. Tenho-o visto pelas ruas, por diversas vezes e
reparei que anda sempre com o espelho na mão.
Não posso andar sem ele seja para onde for e sinto-me
inquieto quando não o encontro, o que está sempre a acontecer.
Foi com essa finalidade de andar sempre consigo e estar
sempre a perdê-lo, que o adquiriu.
Comprei-o, calcule, porque achei que seria um bom presente
de aniversário para a minha mulher.
E ela, adorou.
Qual quê? Menospreza tudo o que eu possa fazer para lhe ser
agradável. Está sempre a atirar-me à cara o facto de eu não ter cultura e bom
gosto.
Não achas que já tens em casa coisas que cheguem dessas compradas
nas lojas chinesas? Vais abrir uma loja do chinês?
Olhando para esse espelho....
E já não sai comigo no restaurante… porque não sei comer com
os talheres…porque solto flatulências…
Inadvertidas…?
Umas sim outras não.
Por ambas as extremidades do tubo digestivo..?
Sim.
Compreendo porque sai sempre com o seu espelho. Porque é?
Não responde. E sai regularmente?
Raramente. Porque acha que ando sempre com o meu espelho?
Porque se o deixasse em casa a sua mulher punha-o no lixo.
Talvez ao princípio fosse essa a razão mas agora é outra
coisa. Não posso pensar sem ter de me olhar ao espelho.
Esta manhã passou agora, neste preciso
instante, e não o vi uma única vez olhar-se ao espelho.
Só o faço quando falo comigo
próprio. Tenho que certificar-me que sou eu quem está a falar e a pensar. Há
sempre o outro a interferir no meu pensamento e fico sem saber se sou eu se é o
outro.
E qual dos dois é o outro?
É ele.
Como sabe?
É fácil. Como toda esta manhã
pode constatar, eu sou esta pessoa extremamente sorridente extremamente feliz
extremamente sociável, e ele…
…e ele..
…e ele vive em sombrias e frias
regiões de uma insuportável inospitalidade. ( pega no espelho?
Sou eu.
( mão esquerda pega também no
espelho, direita larga-o.)
Sou eu.
( direita pega na tesoura que
leva até altura da cara. corta os pelos dos ouvidos)
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SESSÕES DEZEMBRO
11 BAR ATABAI
18 TEATRO EXPERIMENTAL DE LAGOS
AUTOR : INÊS CARDOSO
LIDO POR: RITA RODRIGUES
MANUELA CANECO
CARLA VICENTE
Duas irmãs e as contradições da
vida
-
Então? Estava a ver que nunca mais vinhas! Como
correu a consulta?
-
Oh, o médico receitou-me uma série de
medicamentos. Tenho que tomar de manhã, à tarde e à noite. É oficial: a tua
irmã mais velha chegou à terceira idade.
-
Mas por causa daquela infecção?
-
Sim. Diz que tenho que atacar isto bem agora,
para não voltar a ter nenhuma recaída.
-
Ai que nervos! Já sabes o que penso em relação a
isso!
-
Já sei, já sei. Uma professora de yoga não pode
ouvir falar em fármacos! O que interessa é o espírito não é? (com ironia) Se não estamos bem aqui (e aponta a cabeça), nem aqui (e aponta o coração), o corpo é que
paga! Mas, por muito que te custe, eu já estou habituada a andar dopada. Já não
me afecta.
-
Eu sei que já estás habituada. Aliás, demasiado
habituada.
-
Qual é o mal de tomar um pequeno comprimido
todos os dias, se isso me deixa mais bem-disposta?
-
Mas tu fazes isso há anos!
-
Há pessoas que precisam de drogas para ser
felizes! Aceita isso! E não condenes! Cada um arranja os seus estratagemas de
sobrevivência.
-
Só quero que tenhas cuidado. E que nunca
desistas da possibilidade de te libertares disso!
-
Já dizia a mãe que o nosso corpo é apenas uma
embalagem que manifesta aquilo que nos vai na alma! Mas eu tenho uma alma
doente, o que é que queres?
-
Poupa-me!
-
Falar é fácil! Mas não podes julgar-me! Deixa-me
curar a minha depressão à minha maneira! Felizmente não carregas nenhum trauma
da infância. Sorte a tua! Mas comigo foi diferente! É a vida!
-
Eu sei...
-
E até parece que estou parada à espera da cura
milagrosa! Bem sabes que tenho visitado imensos especialistas e feito vários
tratamentos!
-
Mas têm sido todos um fiasco! Continuas a odiar
aquilo que és e tudo o que fazes! Tens que esquecer a mãe e o que ela pensava!
Virar a página!
-
Opa, nem toda a gente consegue ser como tu! Eu
penso demasiado sobre tudo! A minha cabeça não me dá um minuto de descanso! O
peso do passado, o medo do futuro.... caraças! Às vezes sinto-me apenas...
exausta. Não tenho energia para fazer nada.
-
Eu sei que é um processo lento.
-
O auto-conhecimento?
-
Sim. Quando começamos a escarafunchar,
descobrimos que há muita coisa da qual não gostamos.
-
Não gostamos de quase nada! E tentamos sempre
mudar. E mudar os outros...
-
Até que conseguimos aceitar! Pelo menos em
parte...
-
Já percebi que é um caminho que dura toda a
vida. E as tuas costas? Já não andas tão marreca?
-
Estou melhor.
-
Deixa-me adivinhar: foi o peso de alguma
preocupação! Fugiu-te para o lombo!
-
Por acaso...
-
Tu cuida bem da embalagem! E tenta enganar o
sistema imunitário! Se ele se for a guiar apenas pela tua felicidade, estás
feita ao bife!
-
Não sejas gozona! É impossível estar feliz e
contente o tempo todo!
-
Não me digas?!
-
Mas uma coisa é certa: a alimentação é o mais
importante de tudo! Sinto-me óptima com a dieta alcalina!
-
Deixaste mesmo de beber café?
-
Sim.
-
E só legumes biológicos?
-
Sim. Preferencialmente crus!
-
Que seca!
-
Opa, temos que ir “oleando” a máquina. Já viste
que os nosso órgãos têm que durar toda uma vida?
-
Eu por acaso ando um bocado desleixada com a
minha embalagem... ando stressada por causa daqueles problemas com os miúdos...
sinto que os outros pais estão constantemente a avaliar-me.... é demasiada
pressão!
-
Opa, manda esses paizinhos janotas, mais a sua
falsa moral cristã para o raio que os parta! Há gente que não tem mais nada que
fazer, senão criticar os outros!
-
Achas que sou uma boa mãe?
-
Por amor de deus! Ai de ti que acredites no
contrário! Não penses mais nisso. Já
tens problemas que chegue. Pedimos um chá?
-
Ok..... Mas olha... fiquei cismada... afinal
qual é a prioridade? Devemos cuidar mais do corpo ou do espírito?
-
Hum... Não há prioridade. É tudo ao mesmo tempo!
-
Mas isso é uma trabalheira desgraçada! Então e
quando é que temos algum tempo livre para relaxar? (risos)
-
(olhando
para um ponto específico da sala) Já reparaste bem naquele mocinho que está
ali no canto? É mesmo jeitoso!
-
Quer dizer, nós aqui a falarmos de coisas sérias
e tu a fazeres olhinhos a um desconhecido. Ainda por cima é igual ao Luís!
-
Não é nada!
(e olhando pró relógio) Que horas são? Opa! Já não consigo ir ao
supermercado! Não acredito! Bolas!
-
Vais amanhã!
-
Mas só hoje é que eu tinha desconto nos
sabonetes! Dava-me mesmo jeito! Meto-me
na converseta e perco a noção do tempo! Que chatice!
-
Calma!
-
Desculpa lá... estou a exagerar... estou com o
período... já sabes como fico.
-
Xiii! Se sei!
-
E estou cheia de dores. Por acaso não tens um
Brufen? Opa, para isto tem mesmo que ser!
-
(retirando
uma carteirinha da mala e dando-lhe) Qual corpo? Qual espírito? Somos puras
marionetas do nosso ciclo menstrual! Toma lá isso. E sem culpas hein?
-
Obrigada. Ainda por cima está lua cheia.
Caramba! É tudo ao mesmo tempo!
-
Ui a lua! Pois é, ainda não tinhas falado nas
constelações hoje :p
-
Olha e
aquele terapeuta japonês todo zen que foste visitar no outro dia?
-
Não te cheguei a contar? Enganou-me bem! Fui lá
duas vezes. Parecia um anjinho. Depois descobri que é alcoólico! Imagina!
Realmente a pessoa está sujeita a apanhar cada trapaceiro!
-
Olha... a lua está alinhada com Júpiter e eu
sinto um chamamento para aquele bolo de chocolate. Bora pedir uma super fatia?
-
Então e aquela conversa do “somos o que comemos”
e “o açúcar não faz bem a nada”?
-
Xiu. Não vamos complicar aquilo que é simples.
As minhas hormonas estão a pedir.
AUTOR : DOMINGOS PESTANA
LIDO POR : DOMINGOS PESTANA
MANUELA CANECO
DIÁLOGO TOURISTES
Local – Um bar num hotel, que se
prolonga por um aberto e largo espaço numa tarde de um cálido verão de levante.
Cenário – Uma pequena e baixa mesa redonda,
onde duas ergonómicas cadeiras, cujo conjunto está centrado junto a uma parede
de duplo vidro translúcido, donde se perspectiva o recorte da serra.
Personagens – A Barmaid de seu nome Miss
Rosabela
- O cliente senhor engenheiro
electronico Clarete
Episódio
quatro
…..
Clarete
– Muito boa tarde
Rosabela
– Boa tarde, por favor
Clarete
– Por favor sirva-me uma Débora
Rosabela
– Sim, um momento vou prepará-la
Clarete
– Este óptimo cocktail, recorda me um outro tempo …
Rosabela
– Todos nós temos outros e belos tempos …
Clarete
– Reparo nessa caixa onde depositam vasilhame e reflito.
Rosabela
– Separamos o vidro, as latas e os pacotes que ficam cada em contentor próprio
Clarete
– Sim, tenho um vago conhecimento da separação, da reciclagem …
Rosabela
– A ecologia, os resíduos, o C0 2, as novas energias
Clarete
– Essas coisas começam a espalhar-se um pouco pelo paíz
Rosabela
– Pois, temos os ecopontos e ecocentros
Clarete
– Só ouvi falar dos ecopontos
Rosabela
– Os ecopontos, são um conjunto para a separação de residuos, referenciando-se
a sua função pela côr
Clarete
– Sim, são o amarelo, o verde , o azul e normal para os indiferenciados
Rosabela
– O amarelo para o plástico e afins, o verde para o vidro e o azul para papel e
cartão
Clarete
– E … existe um vermelho mais pequeno, o pilhão para as pilhas
Rosabela
– E têm também a compostagem
Clarete
– O que é isso?
Rosabela
– Consiste na recolha de restos de legumes e fruta tanto os de casa como os de
pontos de venda que con juntamente com as ramagens de jardins particulares ou
públicos, colocados em contentores próprios, necessitam temporáriamente de
alguma água para se decomporem, resultando daí ao cabo de uns meses de um
óptimo composto orgânico para adubar hortas.
Clarete
– Boa ideia, tudo se transforma
Rosabela
– Saiba que mais de metade dos resíduos produzidos diáriamente no mundo
inteiro, podem e deviam ser separados e posteriormente reciclados.
Clarete
– Não, não sabia
Rosabela
– Todos estes factores e outros conjugados irão diminuir o C02 do planeta
Clarete
– Sim essas coisas e também os automóveis hibridos
Rosabela
– Penso que só após o desenvolvimento das técnicas agora iniciadas e após a sua
massificação é que os resultados poderão surgir.
Clarete
– Sim, mas o começo é já um bom sinal
Rosabela
– Regressando ao princípio do nosso diálogo, explico que um ecocentro é um
parque de grande dimensão que recebe: electrodomésticos, madeiras, móveis,
baterias, entulhos diversos, etc
Clarete
– Assim, todos os resíduos têm um local onde são depositados
Rosabela
– Sim, mas ainda temos resíduos industriais, que requerem um tratamento muito
específico
Clarete
– Desses não me recordava
Rosabela
– E ainda os resíduos químicos que se sub-dividem em biológicos e químicos cuja
origem em hospitais, centros de saúde, farmácias e laboratórios, só são
recolhidos por empresa certrificada para tal
Clarete
– No meu tempo de mais jóvem NADA disto existia
Rosabela
– Ainda vão a tempo de contribuir para uma casa universal mais verde
Clarete
– Ainda?
Rosabela
– Sim bastando que na iluminação se previlige a luz natural e quando o trabalho
termina se apague a luz; se desligue no computador o scren saver a impressora
multi-funções; o carregador do telemóvel e sos pequenos electrodomésticos; que
o ar condicionado desça 1 a 2 graus, que existam plantas no escritório ou em
casa porque transformam o CO 2 em oxigénio; que as torneiras possuam redutor de
fluxo; as dependências de uma casa possuam detectores de presença; que quando
for numa qualquer deslocação ande o máximo a pé, poupando dinheiro de
combustivel e praticando exercício fisíco; e que todos os resíduoa possíveis
sejam bem encaminhados.
Clarete
– São tudo boas medidas e se todos cumprissem, seria óptimo
Rosabela
– Sabe, o povo não tem tido da parte de quem nós elegemos para governar, quem
eduque para uma política ambiental séria e de forma inteligente
Clarete
– Esta problemática bem como outras de muito interesse, tem sido muito mal
tratadas. As pessoas que nos partidos ascendem a lugares elegíveis não tem
cultura, são ignorantes, são sim oportunistas que só pensam na sua vidinha e já
se esqueceram quando criticavam os tipos do estado novo e do partido opositor
Rosabela
– Li que a Dinamarca, está a desenvolver uma estratégia e em 2050 tornar-se-à independente
em termos energéticos e com recursos a fontes não poluentes.
Clarete
– Uma maravilha de nação
Rosabela
– Os nórdicos são povos educados, muito trabalhadores, sem analfabetos, com
cultura que desprezam a intriga e a má-língua
Clarete -
Talvêz por causa do frio e da religião protestante, pois aprenderam a lêr cedo
para interpretar a biblia em séculos idos
Rosabela
– Deseja outra Débora?
Clarete
– Não obrigado e até breve.
Domingos Pestana
Dezembro 12
AUTOR : Deodato Santos
LIDO POR: Deodato Santo
O COMPOSITOR
São muitas as obras por
si compostas?
Sem conto.
Quer dizer que já
compôs muitas obras?
Foi isso mesmo que quis
dizer… já compus imensas obras.
Conhecidas do público?
Isso não sei. Quando os
átomos transportando o som se espalham por aí sabe-se lá quem registou o som
que ouviu.
Não acho possível ouvir
e não registar. Mesmo que a memória doméstica não pareça registar, na região do
cérebro onde se armazenam a actividade artística e a matemática, ela ficará
para sempre.
Acha?
Acho. E quando os
átomos do cérebro se desintegrarem para formar novas combinações, como é o
destino de todos os átomos, ao se reintegrarem em novas combinações, eles
transportam essa informação. Assim, tudo o que for acontecendo em qualquer
astro, ou fora dele, ficará para sempre… digo para sempre na impossibilidade de
imaginar outra coisa.
Bravo. Agrada-me o que
acaba de dizer. Posso assim atribuir-me a designação com que sempre sonhei.
E que é?
Compositor.
Mas foi dessa maneira
que se apresentou, aliás com muita convicção, logo no início desta ocasional e
inconsequente, para não dizer inútil, conversa.
Eu não afirmei que era
compositor, limitei-me a responder à sua pergunta, que foi…lembra-se ainda o que foi…?
O senhor estava a
experimentar um som. Deduzi que fosse compositor. Dedução acertada pois que
logo de seguida, muito categórico, demasiado categórico a meu ver, afirmou que
já tinha composto imensas obras.
Tanto em quantidade
como em tamanho, já compus imensas obras. Muitas delas fazendo parte do
património mundial da humanidade, embora que assinadas por outros. Há as obras
completas, as obras incompletas e as obras iniciadas. Eu serei um iniciador de
obras, daí a minha dificuldade, profundamente honesto que sou, em me considerar
compositor.
Obras completas sei o
que é, obras incompletas também, agora obras iniciadas…
Esquematicamente
diga-me o que viu quando aqui chegou.
Vi-o a produzir um som
ao bater nesse objecto.
É isso.
E isso é?
Uma obra iniciada.
Poderemos chamar obra a
uma única nota?
É uma nota pronta a ser
continuada. Todo o rio começa por ser uma gota de água… mesmo
que nem todas as gotas de água formem um rio.
E quando acrescenta as
outras notas que virão a definir essa, ao mesmo tempo que se definem a si
próprias?
Isso já não é comigo. Essa nota percorrerá o
espaço que lhe está reservado pela intensidade com que actuei sobre o
receptáculo, e encontrando no seu percurso, aqui até nesta sala, um compositor,
este, inspirado, poderá prosseguirá a sua continuidade e terminá-la.
Parece-me que isto não
passa de uma trapaça. Está a fazer-se a um subsídio?
Não estou a enganar
ninguém O senhor é que me perguntou. Nunca ninguém se tinha interessado por
mim, aliás nunca fiz isto em público.
É um trapaceiro que faz
trapaça para si próprio. Quer gozar, no interior da sua megalomania, do
estatuto de artista incompreendido.
Eu bem lhe disse que
não era compositor. Aliás, foi o senhor, com a sua lição sobre a indestrutibilidade
física e mnésica do átomo, que me levou a pensar que o sou. Assumo essa
condição em toda a plenitude e responsabilidade, e garanto-lhe, que nunca
deixarei de ser o homem humilde e discreto que sempre fui. Mas agora, sabendo
que essas qualidades se encontram nos átomos que me compõem, e que brevemente
eles as irão transmitir para animais plantas águas pedras, ou, sei lá, que
outras desconhecidas combinações, não encontro espaço em mim mesmo para
recolher tamanha felicidade.
AUTOR : Deodato Santos
LIDO POR : Deodato Santos
O PIÃO
Que pião tão engraçado.
É um pião não é?
É um pequeno pião dos
meus tempos de criança.
Posso vê-lo com as
mãos?
Faça favor.
Tem 4 faces e em cada
uma delas tem uma letra escrita: D, P, T, R.. O que significam?
Nós pegamos no pião
assim e fazemo-lo girar. Quando ele para ficando obrigatoriamente assente numa
das faces, a face oposta exibe uma letra.
E se for o P ?
Os moços grandes e os
adultos jogavam a dinheiro, nós jogávamos a botões da roupa, nessa altura não
eramos um grupo etário com interesse económico. Quatro jogadores já era um bom
jogo, e a contribuição inicial de cada um já deixava em cima da mesa ou no chão
uma quantidade apetitosa. Se fosse o P, significava Põe, e o jogador tinha que
voltar a contribuir. Se fosse o D, significava Deixa, e não tirava nem punha.
Pelo contrário, se fosse o T, tirava um. Se fosse o R, queria dizer rapa, e
rapava tudo. Quer jogar?
Não entro em jogos a
dinheiro.
Não é a dinheiro.
Inventei uma evolução do jogo. Frases.
Percebo. Escrevemos uma
frase e pomos em cima da mesa.
Nem isso. Não
precisamos escrever. Basta inventá-la.
E se a esquecermos?
Não tem qualquer
importância. O esquecimento é apenas momentâneo, mais cedo ou mais tarde, até
ao fim da sua vida, numa ocasião inesperada, ela aparecer-lhe-á.
Será possível que
apareça para lá da vida?
Isso não sei, mas se
você acredita que sim…
E a pessoa que ganhou,
como tomará conhecimento do que dia a frase?
Como é normal perante o
enigma, qualquer um tentará imaginar e olhando para si inventará ele próprio a
frase que julga que você poderia ter imaginado. Portanto, como vê, fica ele
duplamente a ganhar.
Percebi, naquilo que julgo ter percebido.
Para mim é
terrivelmente simples complexo sem limites sem precisarmos levantar o corpo da
cadeira e da mesa.
Jogamos?
Jogamos. Já pus a minha
frase.
Batota.
Como?
Você fez batota.
Como se pode fazer
batota num jogo destes? Pus a minha frase, que batota pode haver nisto? Mesmo
que quisesse não fazer uma frase, essa frase pensada era uma frase.
Você introduziu no jogo
o elemento sedução. Contraindo os abdominais e o esterno fez descair o soutien
sem alças, que descaído, deixou solto…(mãos em pala sobre os olhos)…um..(levantando
ligeiramente a mão para espreitar )…seio juvenil.
O que trago vestido
neste tempo de inverno é uma camisola espessa de gola alta. Pelo contrário, foi
você quem começou por introduzir o elemento sedução ao deixar visível, de um
modo negligentemente chamativo, sob o punho da camisa, a metade enorme do
mostrador do relógio.
Deixou-se então atrair
por ele?
Como evitar? Essa
maneira, estilo trolha que chegou a especulador imobiliário, com que exibe um
relógio de obsceno preço.
Nega a extensão do
esterno sob a espessa camisola de gola alta?
Nega que não foi
inocente a maneira como demonstrou, que se devia segurar a carapeta do pião
para fazê-lo girar? Que não era como
você disse entre o indicador e polegar mas sim entre o médio e o polegar?
Há ainda algumas frases
em cima da mesa. Comece você.
As palavras entre
pessoas só tem interesse se criarem arte.
Será possível arte sem
erotismo?
O erotismo começa por
seduzir ou deixar-se seduzir mas só se torna arte quando renuncia à sedução.
Se o erotismo renunciar
à sedução para ser arte, a arte deve renunciar a si própria para ser erotismo.
Tenho pena de si,
sentado nos bares com um pião, procurando a atenção das adolescentes como velha
aranha esperando na teia.
deodato santos
30 nov. 12
SESSÃO DE JANEIRO 2013
BAR ATABAI
AUTOR: DEODATO SANTOS
LIDO POR: DEODATO SANTOS
O SOBRETUDO
SESSÃO DE JANEIRO 2013
BAR ATABAI
AUTOR: DEODATO SANTOS
LIDO POR: DEODATO SANTOS
O SOBRETUDO
É sozinho que se veste?
No Inverno é mais difícil ao dobrar-me para atar os
atacadores das botas.
O que eu perguntava era se é você próprio quem compra a roupa
que veste?
Não compro roupa. Visto aquela que os outros deixaram de usar
ou por ter passado de moda ou por terem morrido.
A roupa reflecte sempre o estado de espírito de quem a usa.
Se você não usa roupa própria é porque não ousa assumir uma personalidade própria..se
a tiver.
A roupa como tudo o que se põe em cima do corpo transmite uma
marca social e tem uma função de chamariz para acasalamento.
Não só isso. Há pessoas que aguentam a mesma roupa durante um
espaço de tempo mais prolongado e outras que precisam de uma mudança constante,
mesmo de várias vezes ao dia, conforme as alterações humorais, conforme a renovação anímica de que estejam
necessitadas.
Bem visto.
No seu caso que anda sempre de sobretudo, o que representa?
Se não é um chamariz será um repulsivo? É uma armadura? Para não deixar entrar
o exterior e não deixar sair o interior?
É uma questão de eficiência. Já reparou o tempo da sua vida
gasto a decidir a roupa que vai vestir? No fundo já não sabe qual é o seu
estado de espírito
e é a roupa que o vai definir. Já não veste a roupa em função
do seu estado de espírito mas é a roupa que vai determinar esse estado de
espírito. Já calculou o tempo que perdeu a procurar a etiqueta da roupa
interior? A atenção posta nessa tarefa mesquinha vai condicionar a sua atitude
para o resto do dia. Deixou de ser um homem que sai do sono e do sonho para
tornar-se um homem utilitário.
Não calculei não. Mas calculo, pelo que acaba de dizer, que
não traga nada por debaixo desse sobretudo. E a sua mulher deixa-o sair assim?
O que tem?
O que tem? É ridículo o ar que tem?
Acredito que sim. Como não me posso ver a mim próprio, admito
perfeitamente que para si possa ter um ar ridículo.
E não se importa de ter um ar ridículo?
Não, e como não tenho hipótese de formar opinião própria
aceito sem contestar nem tomar partido, todas as outras. Repare que todos nós
somos ridículos aos olhos de outros, à luz das estéticas, das racionalidades e das
nacionalidades que cada um tenha.
Não se olha ao espelho?
Só quando faço a barba.
Na sua casa de banho não tem um espelho de corpo inteiro?
Só um espelho para ver a barba quando me barbeio.
Qual é a sua nacionalidade?
A minha nacionalidade? A minha nacionalidade é o meu quarto.
A que propósito vem essa pergunta sobre a minha nacionalidade?
Porque me está a parecer um homem estranho.
E quando é estranho não é da nossa nacionalidade.
Pois.
E, está-se mesmo a ver, é-se de nacionalidade inferior.
Pois claro.
Pois claro.
E a sua mulher não lhe diz para se vestir de um modo mais
estético?
Se calhar diz, diz, mas esqueço-me… e os olhos também.
Os olhos também, o quê?
No meu espelho só vejo barba quando me barbeio e os olhos. Os
olhos para ver se me reconheço. Se não me reconhecer saio, se me reconhecer não
saio.
Faz bem. Reconhece, ao reconhecer-se, que não tem ar digno
para sair.
Nem mais.
Admiro-me muito que haja alguém que o convide?
Ainda bem. Convidar para quê?
Para tanta coisa, para conviver socialmente.
Entre pessoas da mesma nacionalidade.
Claro. E não sofre por ninguém o convidar?..terei percebido
um instantâneo pestanejar irónico nos seus lábios impassíveis?
Pestanejar é com as pestanas.
Eu sei. Mas como nomear a principal característica do
pestanejar, o instantâneo, quando tal acontece na zona labial?
Não sei. Aí está um campo em que devia aplicar a mesma
atitude estética que usa para o vestir.
Que está a dizer com isso?
Além da sua formação estética para com a maneira como se
escolhe e combina a roupa com que se encobre e esconde o corpo, podia dedicar-se
à estética literária e encontrar a palavra que defina o mexer dos lábios,
correspondente ao pestanejar das pestanas.
E que ganhava com isso?
Ganhava o acesso a uma outra área social.
Quem lhe diz que não convivo já, de maneira até muito
chegada, com artistas da palavra escrita e de outras expressões, daqueles ao
mais alto nível do reconhecimento público? E que não opino com saber e
elegância sobre obras e estilos?
Claro. Que ingenuidade a minha. Como poderia um homem como
você, não andar nas vernissages, nos autógrafos, nos beijinhos.
Entre pessoas da nossa nacionalidade não se anda de sobretudo
dessa maneira.
Olhe que este sobretudo pertenceu a uma pessoa muito
considerada que foi aceite, melhor dizendo tolerada, pela vossa nacionalidade.
Não me escapou a qualidade do tecido e o corte desse
sobretudo. É sobretudo por isso que lhe fica mal, pelo contraste que faz
consigo. As mangas tapam-lhe as mãos e a bainha pouco lhe falta para ficar
debaixo dos tacões dessas botas rústicas. Para além do mais não é uma peça de
roupa que se use agora em pleno verão.
Tenho frio. O frio interior não se explica.
Sou capaz de até aceitar isso. Sim concordo, plenamente. Imagino
a existência de uma espécie de frio inextinguível, pronto a tolher-nos em qualquer
altura menos esperada.
Pessoas há que o sentem a cada momento.
No seu quarto? Na sua nação? Pessoas daqui?
Pessoas de todas as nações destes quartos.
deodato santos
dez. 12
O CEGO
Desconfiando da aparente evidência de você não ver…
…não vejo…
…embora não sendo cego…
…não sou cego…
…contornei a lápis os quatro cantos, que o seu telemóvel forma
no tampo da mesa.
Quatro ângulos rectos.
Como sabe se não vê?
Não é difícil de imaginar o que fica quando se desenham os
cantos de um objecto rectangular.
Ainda não foi desta que o apanhei.
Apanhe-me. Não desejo outra coisa.
Lá chegarei não duvide.
Não duvido, mas faça por chegar depressa.
Não é cego mas não vê, porque pintou com tinta preta, as
lentes dos óculos. Passado todo este tempo, talvez uma estação, eis-me aqui de
novo para verificar se o telemóvel foi deslocado.
Foi?
Não foi.
Eu poderia ter visto as marcas, rodando a cabeça e olhando
pelo canto dos óculos, como um papagaio. Poderia ter utilizado o telemóvel e
voltado a pô-lo de novo entre as marcas.
Fê-lo?
Não o fiz.
Não pergunta qual era a minha intenção ao fazer essas marcas?
Fosse ela qual fosse, agora fica na dúvida se o fiz ou não.
A minha intenção era essa, ver se você tinha mexido ou não no
telefone.
E que desejava provar com isso?
Desejava verificar se
você realmente pratica a indiferença com que se exibe. Na verdade, tenho outro
indício que infelizmente abunda na direcção a seu favor. Demonstrada fica
portanto a indiferença que parece cultivar.
E que indício é esse?
Ele tem mais mensagens e chamadas não atendidas do que
aquelas que lá estavam, desde o verão passado quando cá estive.
Isso prova que não leio mensagens nem atendo chamadas. Está
satisfeito?
Não. Não acredito que você possa ser o indiferente que
aparenta.
E a partir de agora?
Não pense que desisto. Vou continuar a observá-lo.
E qual o porquê dessa perseverança?
Porque não posso conceber tal indiferença numa pessoa. Que
possa ser indiferente para com os outros e para com a humanidade admito, eu
próprio para lá caminho, mas ser indiferente para consigo próprio?
Inveja?
Talvez. E é por isso que acredito que haja aqui uma fraude.
Já lhe disse que sou uma fraude. Todo eu sou uma fraude.
Neste caso porque retiro desta atitude uma satisfação pessoal, que não devia
retirar e muito menos cultivar.
Se confessa essas fraudes é porque tem outras que não
confessa. Quando ouve tocar, ou o sinal de mensagem não se lhe põe a ideia que
possa ser uma boa notícia? ou uma coisa que venha alterar a sua vida?
Uma boa notícia? Alterar-me a vida? Não estando nem bem nem
mal estou muito bem como estou.
Aceita tudo?
Não aceito coisa nenhuma. Tudo nos é imposto por quem defende
apenas os seus interesses e considera o mundo todo como seus interesses. E nenhuma
sociedade, nenhuma civilização escapa a esta regra.
Até compreendo que não queira ver e que o desgoste a obra
humana…
…até a sua simples presença…
…compreendo…como já lhe disse para lá caminho, mas e uma bela
paisagem?
Uma bela paisagem é bela porque alguém está a contemplá-la.
Se não houver alguém a vê-la não é bela nem é feia. Vejo e revejo algumas na
minha memória, limpas da presença humana, e não são mais do que isso,
memórias…memórias que não posso apagar mas a que posso limpar qualquer carga de
emoção. As imagens que ocupam espaço na minha memória e que foram por ela
depuradas, são muito mais significativas do que a sua correspondente real. E
sobre tudo isso, prefiro ainda as paisagens do irreal.
E se perdesse a chamada anunciando que tinha morrido? É com
toda a legitimidade que podemos colocar essa hipótese, que essa chamada não
atendida já tenha ocorrido, e que você não seja outra coisa que um morto que se
ignora.
E que diferença faz já estar morto e ainda não ter dado por
isso?
Porque tem o telefone?
Para ir contabilizando as chamadas que vão deixando de ser
feitas por igual número de pessoas que me vão apagando da sua lista de
contactos. Assim posso ter uma ideia do ritmo a que se está a processar o
alijar da carga.
E se a bateria do telefone esgotar antes que se esgote a
lista onde ainda se encontra?
Conto consigo, como até aqui, para vir de vez em quando
carregá-la.
E não o incomoda a minha presença?
Desde que respeite e se mantenha à distância em que o
coloquei.
Um dia chegarei aqui, encontrarei o telemóvel silencioso e
sem registos, mas não a si.
- Senhoras, senhores, chamo a vossa especial atenção para
esta cena por muitos considerada o
centro da acção dramática desta peça:
esta pessoa que mantém os olhos fechados, escondidos atrás das lentes
dos óculos por si pintadas de preto, está sentada numa pedra gravada cujas
palavras visíveis são insuficientes para compreender o sentido de uma possível
frase. Tem à sua frente no tampo de uma mesa sem pernas um telemóvel.
O telemóvel, esta pedra gravada onde me sento e os óculos, pode
ficar com ambos para fazer exercícios.
Os exercícios de uma pessoa não servem para outra pessoa. Pelo
contrário o tampo da mesa vou levá-lo. Vou imaginar-me agarrado ao tampo da
mesa, ao sabor da maré sideral na expansão do universo…
…não precisa sair daqui, como já percebeu. Seja em que ponto
estiver deste planeta está na maré sideral…
…já percebi, e espero que seja curto o tempo de aprendizagem
para compreender, que não vale a pena alimentar o desejo de querer chegar a
qualquer lado.
deodato santos
dez 12
AUTOR: DOMINGOS PESTANA
LIDO POR: DOMINGOS PESTANA
CARLA VICENTE
D I Á L O G O S
TOURISTES
Sétimo
episódio
Local – Um
pequeno hotel, situado no barrocal
Cenário –
A sala de convívio dos trabalhadores, onde as:
Personagens – Maria
do Luar, empregada de alojamentos
- João do Sol –
técnico da manutenção
Maria do Luar –
Sabes? Tenho o
hábito de oferecer livros como presentes!
João do Sol –
È uma ideia
plena de felicidade, abre outros horizontes.
Maria do Luar –
É prático,
económico e no espaço de uma livraria, tem por onde se escolher.
João do Sol –
Mas para uma
escolha ideial, temos que conhecer os gostos do ofertado.
Maria do Luar –
Claro a oferta é variada, temos os clássicos e
todos os outros …
João do Sol –
A literatura é um infindável espaço da
imaginação.
Maria do Luar –
Começando pelo infantil, temos os Grimm, na
poesia o Fernado Pessoa, o Eugénio de Andrade, o José Vieira Calado, a Sophia
de Mello Breyner, na prosa o Saramago, o Eça, o Almeida Garrett e tantos e
tantos outros numa infindável lista.
João do Sol –
E outras
temáticas como: biografia, ciência, ficção científica, filosofia, politica.
Maria do Luar –
E também
história, religião, banda desenhada, culinária e policial
João do Sol –
O index de temas
é imenso…
Maria do Luar –
Desde tenra
idade que o meu pai me incutiu o gosto pela leitura, pois que para me deixar
dormir contava historietas, numa admirável sucessão de pequenos contos …
João do Sol –
Muito parecido
com o meu, a minha mãe foi nesse tempo a contadora de infindáveis episódios.
Maria do Luar –
Adquiri uma estante por modulos, que cresce na
proporção da entrada de livros.
João do Sol –
Tenho também um pequeno espaço com livros, mas
por enquanto vou previlegiando a leitura com a requisição na Biblioteca
Pública. Hábito ancestral e familiar pois que requisitavam livros na Biblioteca
Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian o bom mecenas que encalhou em Lisboa
das Tágides.
Maria do Luar –
Desde que se leia, o modo como se o faz é
secundário.
João do Sol –
Quando se lê
estamos em permanência com o escritor.
Maria do Luar –
Agarrar um livro, folheá-lo e começar a ler,
sentir o seu cheiro de preferência se esteve repousado numa estante, é uma
emoção de multiplos sentimentos quando nos vamos embrenhando nas suas páginas …
João do Sol –
Nas próximas
férias, penso lêr “Guerra e Paz” de Lev Tolstoi, essa obra-prima que disserta o
amôr, a morte por entre os atributos que a vida dá.
Maria do Luar –
Entre outras,
uma suprema obra.
João do Sol –
Da antiguidade
aos nossos dias, estamos optimamente rodeados de bons livros.
Maria do Luar –
Um olvidado
Nobel, Samuel Beckett, que narrou uma teatral ficção, que dá pelo nome “ Á
espera de Godot”
João do Sol –
Normalmente
teatralizado e a transbordar de sangue, Macbeth o escocês que desejava ser rei
na profecia da sua amada bruxa, pela pena sublime de Shakespeare.
Maria do Luar –
Deixando as
ilhas normalmente encobertas por nevoeiros frios e ventos, no lado continental
eis o inesquecível Jean Valjean que deixa Waterloo, até ser comerciante numa
encadeação de passado e futuro que o atormenta, um permanente retrato que
Victor Hugo legou em “Os Miseráveis”.
João do Sol –
Para uma enorme
imensidão de semelhantes, esse caixote que fala e mostra todas as imagens
possíveis e imaginárias, vai paulatinamente capturando a atenção, desviando-nos
para outras tarefas essenciais.
Maria do Luar –
Há dias deram a
conhecer uma sondagem onde a média de quem vê tv são de 6 horas por dia.
João do Sol –
Para se chegar a
esse número, muitos só vivem para a tv …devem ser ums peritos em Orçamentos do
Estado Minguante.
Maria do Luar –
O debate sobre a
divisão e organização do Estado é uma constante das sociedades.
João do Sol –
Sim! É um
antiquíssimo discurso. E isto dos Diálogos é uma ideia de muitos séculos, pois
em 400 aC Platão dissertou discutindo sobre as teorias do Estado e a sua obra
“A República” mantém-se actual.
Maria do Luar –
Um livro sobre a
feminina “Madame Bovary” versa o adultério e as obscenidades à época e hoje
mantém-se ainda mais actual, pese embora as mudanças em muitos imaginários.
João do Sol –
E o seu autor um
homem G. Flaubert, foi quem levou a um extremo de perfeição a personagem
daquela mulher.
Maria do Luar –
E sem sair da
Pátria, essa palavra em desuzo, vitima do vil capital, que a todos degola, temos
poetas, prosadores e amantes do escrevinhar que necessitam sair das estantes.
João do Sol –
Bestial, vamos
passar a ler e já!
Barão
de São João
Janeiro 2013
Domingos
Pestana
AUTOR: REJO MARPA
LIDO POR: REJO MARPA
CARLA VICENTE
TEMPO DE
ONTEM, EM HÁBITOS
DE HOJE…
ELE – Ninguém me consegue compreender e é por isso que
não consigo
entender, que alguém me venha dizer que estou
errado, que estou
completamente
equivocado, quando consigo descortinar por entre o
desencantamento, uma frente brusca na busca de
um tempo de
sonho, que quero real…
ELA – Do que está a falar afinal?
ELE – Do meu tempo, da diferença, da indiferença, do
olhar no tempo, e,
de viver esse tempo neste tempo, e verificar a
tempo que o meu
tempo, apesar de ter sido noutro tempo e outro
tempo, não deixa
de ser igual ao tempo actual…
ELA – Diz isso por se sentir incompreendido, por não
ser entendido à sua
maneira
de pensar, ou porque o que quer ouvir é tudo menos não?
Lembre-se,
que o tempo mudou…
ELE – O tempo? Mas que tempo? Os hábitos sim, mas tão
só isso… No
meu tempo, nós vivemos o Woodstock… Hoje, nós
corremos os
concertos, que tirando uns acertos são
Woodstock, em escala
menor.
ELA – Maior era quase impossível… Mas sim, nesse
aspecto está correcto,
pois o
que sei, li, e vi, acerca de Woodstock, foi incrível, vocês
realmente já estavam muito à frente, eram cá uns malucos.
ELE – Malucos não, mas defendíamos com garra a nossa
ideologia, que era
a
verdade da magia da Liberdade, e, discutíamos toda a sua filosofia
com intensidade.
ELA – Demagogia…
muita demagogia…
ELE – Eu diria analogia, porque no meu tempo nós
aparecemos com a mini
saia… O que têm vocês? A micro saia… O que
mudou? Os hábitos…
ELA – Está bem, também tem razão, mas não quer dizer
que o que quer
dizer
esteja certo, pois decerto que são casos pontuais e não deve
haver muitos mais, pois que estes são tão
evidentes, tão, mas tão
consistentes, que me custa acreditar…
ELE – Mas não lhe deve custar, é isto realmente o que
se passa e traça a
analogia de que lhe falei, e olhe que sei o que estou a dizer, pode
crer,
por isso vou contar-lhe, ou melhor, vou dar-lhe outro exemplo:
No meu
tempo, nós tivemos a guerra do Ultramar, hoje já tivemos o
Kosovo, o Iraque, Afeganistão, mas o destaque de novo, são guerras
por
afinidade, e o Ultramar era por Identidade, mas não deixam de
ser o
que são, acha ou não?
ELA – Não me dá alternativa com a perspectiva traçada…
Fiquei um pouco
preocupada com o que acabei de escutar e por mais uma vez ter
que
lhe dar razão, e agradecer a oportunidade, de poder fazer a
comparação com imparcialidade, sobre o meu, o nosso Portugal…
ELE – Fico satisfeito e não enjeito o que acabou de
dizer, mas a intenção
era
chamar a atenção, de que tanto uma situação como outra, são
apenas
uma constatação gravíssima, no contexto social.
ELA – Mas tocou-me, e ensinou-me a não fazer juízos
temerários de nada
nem
de ninguém, porque o que vem por bem, é sempre bem vindo.
ELE – Já que está aberta a ouvir, vou fazer-lhe sentir
o que estará por aí
por
vir… No meu tempo, tivemos que viver o Salazar, que para nosso
mal
era Português, mas ao menos era de Portugal… Agora, vivemos e
levamos com a Troika, que é de fora, e para mal dos nossos pecados,
ainda
são ajudados por Portugueses, pelos quais somos governados.
ELA – Agora tocou-me na ferida, e ferida como estou,
não é difícil de
entender o que me acabou de dizer, pois dizer por dizer estou eu
farta
de ouvir… Eu gostava de ver darem PASSOS, como “ PASSOS DE
CONSELHO “, e não, darem nos PAÇOS DE CONCELHO, PASSOS tão
desastrosos como calamitosos, abrangendo a sociedade, mas com
crueldade, colhendo e varrendo literalmente a classe mais
desfavorecida, nestes casos sempre a mais apetecida, por condoída.
ELE – Para acabar, vou dizer apenas que no meu tempo,
nós tivemos
trabalho com fome, e o que têm vocês hoje?
ELA – Bem, essa é evidente, naturalmente… Se vocês
tiveram trabalho
com
fome, nós hoje, temos fome sem trabalho.
RÉJO MARPA
11-12-2012
AUTOR: RITA RODRIGUES
LIDO POR: JOANA MELO
INÊS CARDOSO
Expectativas
Uma pessoa (P1) entra
no café e senta-se à mesa. Vem com aquela sensação de que alguém está a
observá-la. Nota-se que está excitada, como uma criança. Acha que a qualquer
momento lhe vão fazer uma grande surpresa e age como se já estivesse à espera.
P1- Então… onde é que ela está? De certeza que estás para aí
escondida! Vá lá, deixa-te disso, eu já percebi tudo… (toca o telemóvel, P1 atende) Sim… obrigada! Eh pá, olha, estou
mais velha… isto agora passa a correr. Daqui a pouco estou nos “entas”… Nada de
especial… Bem, na verdade acho que há uns amigos que vão fazer uma surpresa… eu
não gosto nada destas coisas, só queria estar sossegada no meu cantinho, fazer
uma coisa simples, mas este pessoal é assim… e depois não sabem disfarçar nada
bem… olha, tenho que desligar, a minha amiga está a chegar e não quero estragar
a surpresa. Adeus prima!
P2 entra.
P2- Querida! (cumprimentam-se)
Chegaste mais cedo?
P1- Não devia ter chegado tão cedo? Ups…
P2- Não há problema, eu é que não te queria fazer esperar,
especialmente num dia destes!
P1- Ah, então já se pode falar no assunto?
P2- Sim, claro, já passou a data do fim do mundo, já ninguém
acha que o mau tempo é só o princípio do fim! Bem, as pessoas às vezes inventam
cada doideira… parece que procuram por algo que lhes dê medo, ou pica, como nos
filmes de terror. Acho que é porque a vida anda desenxabida e procuram, desesperadamente,
algo que dê alguma cor à coisa…
P1- Podes crer…
P2- Vamos beber qualquer coisa?
P1- Vamos? Tu é que mandas…
P2- Ui, que submissa que estás hoje, bebé!
P1- Bebé! Eu sabia! Já percebi tudo há pelo menos uma
semana.
P2- Como é que te apercebeste?
P1- Oh, foi fácil… os segredinhos, as risotas, parares as
conversas quando eu entro.
P2- Que vergonha… não queria nada que tivesses percebido
assim, eu sou péssima para estas coisas.
P1- Não és nada, eu é que sou muita atenta, ninguém me
consegue surpreender! Já várias pessoas tentaram, mas eu sou perspicaz.
P2- E não levas a mal teres sido a última a saber?
P1- Claro que não. Era a única forma de ser surpresa.
P2- Pois era, foi exatamente o que eu pensei. Desculpa ser
tão franca.
P1- Não tens outra hipótese, foste apanhada!
P2- Pois fui… sabes, eu queria falar sobre isso contigo
antes, mas não tinha coragem, não sabia como irias reagir e, sinceramente, não
estava à espera que tivesses tanta noção de tudo.
P1- Claro que tenho, vocês são os meus melhores amigos, sei
que me conhecem bem, bem demais, por isso já estavam à espera que eu estragasse
a surpresa, mas aguentei-me bem, não foi?
P2- Nem sei o que te diga… até estou com vergonha por não te
ter dito antes, se soubesse que ias ser tão cautelosa. Eu só não queria que as
pessoas soubessem todas por ti, percebes? É que tu normalmente contas logo tudo
a toda a gente e eu queria mesmo fazer a surpresa pessoalmente, estás a
perceber…
P1- Eu sei, eu sei… mas se me dissesses logo não tinha
graça.
P2- Há 7 semanas que já sei e estava quase a rebentar.
P1- 7 semanas! Vocês são incríveis. Vocês esmeraram-se,
desta vez. Deve ser uma surpresa grande, não?
P2- Acho que sim, no último encontro já tinha um bom
tamanho!
P1- Último encontro? Muito organizados, hã… Não era preciso
tanta coisa.
P2- Olha, o que é que tu queres? Não é todos os dias que
isto acontece, mais vale fazer as coisas como deve ser.
P1- Bem, acho que sim. És mesmo uma amiga impecável.
P2- Tu é que és, estás de parabéns!
P1- Oh, obrigada! Sabes que eu não ligo nada… são dias como
os outros.
P2- Não, não são. Não é todos os dias que uma amiga dá
mostras de que é uma mulher a sério, disposta a ver-se realmente, mesmo as
coisas menos bonitas…
P1- Ah, reparaste, não tive tempo de fazer a depilação!
P2- Ai, que parva! Não desconverses, estou a abrir-te o meu
coração. Olha, e o que é que achas, como é que me fica?
P1- Fica-te muito bem (diz,
olhando para a camisola). Sempre gostei de te ver de azul e estás com um
brilho nos olhos tão especial.
P2- Diz que sim…
estou ansiosa por contar ao mundo!
P1- Eu também!
P2- Mas não estragues tudo, deixa-me ser eu, está bem? Não
te esqueças?
P1- Está bem, está bem, eu finjo que não sei. Mas até quando
é que tenho de fingir?
P2- Então, até já ser óbvio!
P1- Ok, eu espero!
P2- Olha, vou ter com o pessoal, mas não te preocupes que
não lhes digo que já sabes. Se não, eles vão ficar preocupados, que tu estragas
sempre as surpresas e essas coisas… está bem?
P1- A “bebé” vai portar-se bem e esperar que todos saibam.
P2- Espero que sim, que a bebé me deixe fazer surpresa a
todos e não fique para aí toda vaidosa a mostrar-se!
P1- Vai lá então!
P2- Adeus! É como se não nos tivéssemos visto!
P1- Fica descansada… adeus!
(P1 fica sozinha na
mesa)
P1- (fala para as
pessoas dos café) Este pessoal é incrível…
encontros, 7 semanas a preparar tudo… são do pior… e eu não gosto nada
destas coisas, só queria estar sossegada. Bom, deixa cá treinar: “Uau, não
estava nada à espera, grande surpresa hã!”. Espero que acreditem, não lhes
quero tirar este gostinho… mas o que é que eles querem, já sabem que eu sou
esperta!
P2 entra no café
novamente e diz da porta.
P2- Tu és mesmo incrível! Não só adivinhaste que eu estava
grávida como também percebeste que eu estou à espera de uma menina. És mesmo
especial. Podes ter sido a última a saber que eu estou grávida, mas és a
primeira a saber que é uma menina. Adeus, querida, adoro-te!
P1- (demora um pouco
até perceber tudo, olha para as pessoas sem saber o que fazer… pede ao barman:)
Tem absinto?
FIM
Rita Rodrigues
SESSÃO DE 12 DE FEVEREIRO
BAR ATABAI
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