A galinha
Foi num tempo de Verão, Agosto quente como sempre.
Como me lembro:
(O Luíz Pacheco passou uma temporada na casa do Zé. Veio descansar, escrever qualquer coisa que apaziguasse o ânimo aceso de um editor cansado de esperar por um livro que não aparecia.)
O Luís começava o seu dia por volta das 3 da manhã. Muitas vezes vestia o sobretudo por cima do pijama e nunca saía sem o guarda-chuva pendurado no braço. Esperava a hora de fecho das discotecas e prolongava-se em conversas com a malta que enchia as ruas a essa hora, até à abertura do Mercado. Aí gastava mais algum tempo, normalmente até às 10, quando supostamente começava a escrever…
Foi do mercado que veio a galinha. Não sei se foi um presente ou se ele a trocou por sardinhas…
5 h 30m da tarde, o Luís no seu pijama de riscas em azul e branco, sentado na cama com costas muito direitas, os olhos pequenos e vivos por detrás das lentes de míope, relaxando antes de dormir, na leitura de uma HARA KIRI .
Soberba, a imagem daquela capa:
uma fada, vestida de tule azul, sem “lingerie” e vista de trás à transparência do tecido , debruçando-se generosamente sobre cocós de cães numa calçada qualquer, e transformando-os em enormes ovos estrelados com a varinha de condão. Atrás dela, acocorado, caminhava um mendigo...
Atada aos pés da cama, a coitada da galinha, proibida de vaguear pela casa durante a noite.
O Luís afeiçoou-se ao animal. Provavelmente liam HARA KIRIS juntos. Dava-lhe milho no quarto, à noite. Às vezes caíam uns bagos - e não só - na mobília da vizinha do andar de baixo através dos buracos do soalho velho. Chegou a pôr ovos, à toa, pela casa. E não eram estrelados… Tornou-se num incómodo e o Zé, ao fim de uns 15 dias, decidiu resolver a situação da maneira mais prática possível. Falou com o Luís várias vezes, de modo a tentar encontrar uma "solução" que agradasse a todos, ou seja, pô-la na panela. O Luís sempre se manteve irredutível quanto a essa hipótese: nem pensar em tal coisa!
Escusado será dizer que, durante uma das suas idas ao mercado, o galináceo acabou em cabidela! O Luís ficou inconsolável com a perda da amiga. Não a comeu, pois claro! E amuou, em silêncio, durante muito tempo...
Comentários
Alice, a Fininha
a asilar à do seu amigo Zé Rijo. Asilavam aí tantos, muitos deles que o Zé nunca tinha visto...
E veio.
Á minha pergunta respondeu que não tinha fato-de-banho.
Arranjei-lhe um.
Depois foi visto, por vezes, às 7 da manhã, na Batata... deserta...
Alguém me contou que, do miradouro que dá prá praia, viu-o, uma manhã a tentar entrar na água. E a recuar quando chegava uma onda... que não teria mais de vinte centímetros de altura...
Era de sequeiro, o Luíz Pacheco!
Que saudades deles todos!
:)
Estou solidária ao luis, sei como é dificil comer um bichinho que olhamos nos olhos, que acariciamos... que dor meu amigo luis sentiu...e a galinha tadinha sentiu-se traida... só não entendi ela ter de dormir ali aos pés da cama.
De fato é triste criar e comer, pois crio gansos e abato sempre pra outros eu mesma ñ consigo comer.
um abraço com carinho.
Gostei da história. E esta é a prova de que quem tem muito amor para dar é capaz de se afeiçoar a qualquer animal.
Bjs.