Condelipas

Se há livros que convictamente trouxe de casa dos meus pais quando vim para Lagos, foram os dois volumes do Dicionário Lello Universal. Não pelo conteúdo, que, mesmo nos tempos em que estava “actualizado”, deixava muito a desejar, mas, sim, pelas ilustrações.

Encontrando-me a folhear o segundo volume do referido dicionário, como muitas vezes faço, ao acaso, deparei, também acidentalmente, com uma entrada que, antes, não havia ainda chamado a minha atenção, a referente ao Conde de Lippe.

No já desusado livro pode ler-se:

Schauman-Lippe (Frederico Guilherme, conde de), general alemão, n. em Londres (1724-1777). Foi contratado pelo conde de Oeiras (depois marquês de Pombal), para vir a Portugal reorganizar o exército deste país, missão de que se desempenhou brilhantemente. Comandou as tropas anglo-lusas durante a campanha de 1762 contra os Espanhóis, manobrando com extrema habilidade. Soube disciplinar e instruir as forças portuguesas e dirigiu com grande acerto os trabalhos de defesa da fronteira e, particularmente, da praça de Elvas, onde fez construir um magnífico forte, que se ficou chamando Forte de Lippe.

Ora o dito conde de Lippe terá protagonizado, malgré lui, estou certo, uma das estórias locais.

Não sei em que período do nosso país terá passado por Lagos, se bem que, e se não me falha a memória ou a verdade, creio terem-me contado já há anos, logo quando para cá vim, que teria sido na fase final da sua passagem por Portugal.

O que me lembro – acho – de me terem contado é que o conde de Lippe, tendo provado na nossa cidade das conquilhas que por aqui se apanhavam, de tal forma se encantou com o novo sabor em que seu palato voluptuosamente tropeçara, que se tornou um aficionado degustador do referido bivalve.

De tal forma terá sido a frequência com que ordenava a quem o servia que lhas trouxesse, entre criados seus e povo local, que se terá começado a dizer no passa‑palavra das ordens transmitidas que os ditos bivalves eram “para o cond’ d’ Lippe”.

Ora, num tempo sem grafias fixadas e onde a alfabetização de facto contemplava apenas uma minoria muito pouco representativa, não é improvável crer que as sucessivas repetições do título nobiliárquico à guisa de nome próprio tivessem causado uma aglutinação, e, por analogia, tivessem mesmo vindo a substituir o nome comum por que estes moluscos são conhecidos na zona de Lagos: CONDELIPAS.

E que boas são, as condelipazinhas, abertas ao natural, ou só com um fiozinho de azeite. E coentros. E um dentinho de alho cortadinho. E sumo de limão, depois, para refrescar mais ainda o sabor a mar.

Comentários

vieira calado disse…
Um excelente post.
Há muita gente (antiga), cá no burgo, que tem uma ideia da história que tu contas, referindo a origem no termo "condelipa".
Mas como o blog está cada vez mais a ultraopassar fronteiras, é bem interessante, para todos, o que escreveste.
Fátima Santos disse…
este mocinho é um mimo! um gosto! uma enciclopédia!
éf disse…
mas o Conde não comia apenas condelipas, pois não?
vieira calado disse…
Comia condelipas e zêtonas pretas, Francisco!
éf disse…
E ele só comeria as pretas mesmo, Vieira? Atão era parvo porque a maçanilha britada é que é manjar de condes...e barões.
Fátima Santos disse…
berbigões, móce é o qué cá mapetece de tanta condelipa que veje
fotógrafa disse…
Ai...que saudades das papas de milho com condelipas!!!hummmm.....
deu-me cá uma vontade de ir á procura das condelipas...só que por aqui onde moro, não é fácil...
tenho que me contentar com a lembrança...rsrsrs
abraço
fotógrafa disse…
Ai...que saudades das papas de milho com condelipas!!!hummmm.....
deu-me cá uma vontade de ir á procura das condelipas...só que por aqui onde moro, não é fácil...
tenho que me contentar com a lembrança...rsrsrs
abraço

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