CONCORRÊNCIA









...

A fotografia deve ser do final dos anos 40, ou princípio dos anos 50.

A personagem central da cena, chicote em punho para incitar a mula ao seu trabalho de tracção, é um comerciante de mercearia, o Lôpo Mocho.

Além da mercearia e dum bom vinho que fabricava, ficou conhecido, nesses tempos, pela sua pertinaz loucura. Várias vezes foi levado para o Júlio de Matos, em camisa de forças.

Quando eu era miúdo de escola primária, à do Taquelim, assisti a um desses acessos de loucura. Nesse dia, o homem saíra de casa com a intenção de combater a concorrência que lhe faziam os outros merceeiros da zona.

Vinha eu da escola, quando ele entrou à do Baldomiro Cintra. Pediu duzentas cinquenta de rabçados (era assim que se dizia…) de Santo Onofre e, assim que foi despachado, atirou com a balança ao chão, empurrando-a para dentro do balcão e inutilizando-a – pelos menos por uns tempos.

Ainda soava o estardalhaço de vidros partidos, veio à rua e jogou os rabçados à rabanhita, para a moçada que esperava na rua, certos do que iria acontecer, depois de terem assistido a idênticas cenas à do Romeu Cintra e à do Pereira.

Escusado será dizer que a façanha lhe custou – pelo menos... –, mais uma estadia na capital do Reino…

Comentários

OI MOÇO,SAUDADES DE SER CRIANÇA...
BOAS SUAS LEMBRANÇAS,HISTORIA E MEMORIA DE UM TEMPO.BJS
éf disse…
Velhas manhas de político. A estratégia dos rebuçados ainda hoje se usa para "agarrar" a miudeza. O actual 1º também joga rebuçados à rabanhita e é vê-los, a canalha, saltando para os apanhar. E também lhe vale a estadia na capital do reino.

Boa lembradura.
Maria de Fátima disse…
o que eu adorei foram os teus "à do" geniais! parece que oiço: "vou à da minha mãe" e o que sofri em terras lusas de outros falares por empregar, lesta na resposta: "vou à da Irene" ou fosse lá onde fosse...
lacobrigense antigo disse…
Lôpo Mocho, homem recatado e introvertido, virava 180 graus quando se tornava "lúcido".Numa dessas ocasiões, lembro-me do meu pai contar, ele entrou na leitaria do Graça Mira, na rua direita, pediu um café, bebeu e depois partiu o copo no meio da rua. Eu andava, na escola primária do Bairro Operário. Lembro-me de o ouvir falar muito alto, como quem discursa (digo eu hoje) na Assembleia da República e ser agarrado pelo Furtado da mercearia do lado e por outros e vestirem-lhe, algo para mim estanho, que depois fiquei a saber, tratar -se da camisa do forças. Ainda hoje guardo essas imagens.
deodato inácio dos santos disse…
não eram uma virgem nem um aloirado menino mas no enquadramento da porta iluminados por trás pela luz da rua contrastando com acentuada penumbra interior, subindo o poial dir-se-iam descendo do altar. ainda por cima era o tempo da cidade dedicado a comemorar o parto em que ambos tinham sido protagonistas. ali não havia trabalho para a mulher: sentado à mesa um homem concentrado num copo de clarete e nos gomos de laranja, separados pelo balcão dois moços.embora da idade em que se é habitado por um permanente inchaço, e de ambas as mãos enterradas nos bolsos das calças, mesmo que o frio o deixasse depressa se teria desanimado,o inchaço,com o ar da mulher.as dos Três Dedos comparadas com ela eram sofisticadas mundanas lisboetas.ela e o filho percebemos, estavam a comemorar o dia que lhes dizia respeito e ela pediu rabçados que uma vez na boca do moço lhe causaram esgares: "então vossemecê deu rabçados picantes a este filho de puta" "então vossemecê chama-se puta a si própria". não muito tempo antes ele tinha-me levado aos Três Dedos e, perceba-se lá a lógica da memória,domina-me um grande plano de um cinzeiro de chapa aparafusado ao tampo da mesa. Personagens: Lopinho, que tratava da adega, enquanto o pai Lopo Mocho dirigia a Tendinha da Porta dos Quartos,onde eu ia fazer um único mandado, qualquer coisa que não havia na vizinha Amélia,onde pagavamos ao mês.homem descascando uma laranja. mulher e criança. eu :anónimos uns para os outros, sombras no reino das sombras.( asteroides veiculando o grande designio da inutilidade, já que transportam sementes de vida. blog Astronomia do Vieira Calado.
Vieira,
Todos nós temos momentos de loucura, mas há uns que têm mais vezes do que outros.
Abraço.
JOTA ENE ✔ disse…
Verifiquei que o meu amigo amigo é de Lagos, passei férias há 2 anos nessa terra tão linda, num restaurante de nome JOTTA, conhece?

Forte abraço
são branca disse…
Era meu avô paterno. Morreu quando eu tinha 3 anos, portanto mal o conheci. No entanto sempre me surpreenderam as histórias que ouvi contar desde criança e que muitas vezes, socialmente, me pesaram demais. Muitos anos mais tarde surpreendi-me com a clareza de escrita e capacidade de inovar que encontrei na correspondência trocada entre si e o irmão mais velho, estabelecido comercialmente em Beja e, à época, "exilado" em Ferreira do Alentejo por militância republicana.

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